Thursday, February 02, 2006

RECEITAS.

Tenho passado merecidos minutos, atirado no sofá de casa, assistindo TV e trocando freneticamente de canais.

Não poucas vezes me vejo parado, salivando feito um vira-lata, acompanhando receitas caprichadas apresentadas em um dos dez mil programas de culinária que passam simultaneamente. Acho que até a TV senado anda exibindo a sua versão. No de ontem à noite, ensinavam macetes, lendas e folclores na hora do preparo artesanal da pizza.

Mas por que tenho dado tanta audiência para os afazeres culinários televisivos?
Existem várias teorias, mas a mais plausível remete a minha má alimentação diurna baseada em combinações patéticas de legumes murchos e frituras.

O fato é que todo mundo, mais dia, menos dia se pega parando frente a um desses programas, seja por água na boca, seja por não ter nada para fazer. Que vá então descascar batata doce ou fatiar alho poró.

Pego carona aqui no alho poró para criticar o principal estratagema destes shows da gula. Pode reparar. Toda receita respeita um cuidadoso planejamento que passa invariavelmente por cumbucas de barro, vidro, porcelana ou inox, recheadas de cebolinhas milimetricamente cortadas, especiarias do Suriname, ervas do Nepal, pimentas do Butão.

Onde diabos vou conseguir um desses? Tudo fica muito bonito, colorido e gostoso na TV.

Fogões de dezenove bocas, forno pré-aquecido na temperatura exata, tudo lavado, picado, pré-cozido, separado, fresco. Deu errado? Basta chamar os comerciais. Oba, acho que vou tentar fazer este suflê de couve com mandioca selvagem salteada para o almocinho de amanhã.

Claro que não vai. No máximo você vai ferver aquele pacote de salsicha sem corante que por algum motivo insólito você comprou.

Te desafio a abrir a dispensa e encontrar algo mais ousado do que uma bisnaga de mostarda pela metade e um extrato de tomate italiano com bassil que veio na cesta de natal que você ganhou da firma.

Outra coisa. Os queijos utilizados em recheios cremosos e molhos gratinados são sempre os mais caros, como se fosse a coisa mais normal do mundo ter um toquinho de Emental, ou de Gruyere na geladeira. Tá bom então.

Aliás, só de falar a palavra gratinado minha boca já encheu de saliva. Qualquer troço gratinado fica bom. Meu sonho é comer toda a casquinha dourada de uma travessa, deixando o resto do pirex pelado. É um sonho meio besta, mas é meu.

Por fim, para judiar ainda mais de nosso estômago que está vazio e clama por justiça, somos submetidos à verdade crua e nua: “se você não tiver o miolo de vitela, ou o camarão gigante do ártico, pode substituir nas mesmas proporções pela sobre-coxa do frango resfriada ou por ricota hidratada. Fica super gostoso e light.” Ah, vá pro inferno.

No meio da lavagem cerebral refogada com manteiga de garrafa e cheiro verde, odor característico da axila do Hulk, temos que correr para encontrar um lápis e um pedaço de papel para anotar o saboroso passo a passo. Óbvio que todos os lápis estão com a ponta quebrada, e o único papel que ainda repousa sobre a mesinha do telefone está mais rabiscado que aquele gesso fedido que você usou na quinta série.

A partir de hoje não assisto mais essas porcarias. Bom mesmo era a Ofélia que falava devagar, repetia duas vezes os ingredientes e utilizava produtos Cepêra. Isso tem no supermercado perto de casa.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

e hj em dia depois de ofélia..uma perguntinha:
vc é seria + fã da ana maria braga (a mãe de todas as receitas) ou do tom calvacante!? rs.

6:36 PM  

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