Tuesday, March 10, 2009

LEIA MAIS NO BANHEIRO.

Se você ainda não é um adepto da leitura no banheiro, tá aí uma ótima oportunidade de iniciação.

Desde a pré-história o homem já otimizava o tempo no lavabo da caverna, concentrando-se e tentando entender o que a sequência boi, homem palito, sol, flecha, mandala partida, raio, significava.

Arrisco a dizer que os hieróglifos foram os primeiros medicamentos inventados para combater a prisão de ventre. E, convenhamos, prisão de ventre naquele tempo não era de barrinha de cereais.

- Abre essa porta.
- Vai embora.
- Preciso tomar banho. Você já tá aí há mais de uma hora.
- Péra aí! Tô terminando o capítulo.

Jornal, revista, revistinha, livro, bula de remédio. Se nada disso estiver à mão, apele pras milagrosas informações das embalagens, tipo as costas da pasta de dente, do Elseve ou do Rexona aerosol: em caso de contato acidental com os olhos, lavar com água em abundância.

A leitura de toalete é como um exercício de concentração avançado: Ioga Peristáltico, novas turmas. Matricule-se e garanta seu assento.

- Tem alguém aí? Ei! Tem alguém aí? Não adianta disfarçar, eu ouvi uma página sendo virada.
- Que é, inferno?
- Desculpe, amigo. Pode me emprestar algo para ler.
- Não tenho nada.
- Nem uma continha de luz?

Nesse momento de concentração já descobri muitas verdades sobre as companhias que vivem nos taxando. Arrisco a dizer que as famosas letras pequenas do rodapé só podem ser lidas nessas situações. “Pagável somente nos bancos autorizados até a data de validade. Após esta data, deverá ser emitido novo documento de arrecadação no portal da prefeitura”.

Eu sei, eu sei! Ler os detalhes sórdidos das contas, de calças arriadas, beira a redundância. Mas não deixa de ser uma leitura. Vício é vício.

Fato é. Sentado no trono, uma boa leitura faz milagres. Nem precisa tomar esses produtos que fazem desafio e garantem seu dinheiro de volta. Experimente ler. Desligue-se do mundo externo. Esqueça da crise (evite o caderno de economia), da violência (evite o caderno policial), do coronel da Net (evite Dostoievski). Apenas leia.

Um decassílabo de Camões é capaz de operar um parto normal. Cuidado com os risos provocados pelos textos do Veríssimo, eles podem causar paradas abruptas na operação descida. Deixe para o final da viagem.

Por que você acha que escrevem tanto atrás das portas? A legião de leitores de banheiro só não é maior do que a dos que forram o vaso com uma camada dupla de papel.

- Você lê sempre aqui, não?
- Sim, por quê?
- Reconheci pelo sapato e pelo cacoete ao virar a página.
- Que cacoete?
- Você pigarreia e faz pontinha com o pé.
- Escuta, por que você não volta à sua leitura e deixa meu cacoete em paz?
- Acabei o jornal. Você não tem nada aí pra me emprestar?

Se algumas bibliotecas colocassem banheiros químicos próximos das prateleiras de auto-ajuda, o mundo seria um lugar melhor.

E o que não dizer das oportunidades comerciais? As tais vendas casadas? Os combos seriam elaborados matemáticamente: McLanche Feliz, grátis: gibi da Mônica; feijoada completa, grátis: O Guarani; comida alemã, grátis: Senhor dos Anéis, os 3 volumes.

Por isso tudo, dependendo do que o seu horóscopo do dia disser, nem levante do vaso.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

gênio! gênio! palmas!

compactuo também deste vício, Mago. li uns 200 gibis da Mônica e uns 500 exemplares do Lance! nessa situação.

é fantástico. eu recomendo.

5:39 AM  
Blogger Claris said...

"Se algumas bibliotecas colocassem banheiros químicos próximos das prateleiras de auto-ajuda, o mundo seria um lugar melhor."

absolutamente correto.

6:54 AM  
Blogger bsb said...

disse tudo...
Ler no banheiro é uma arte...

6:56 PM  

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