Thursday, July 13, 2006

NASCIDA PARA ROLAR.

Passei o último dia sete subindo e descendo em escadas rolantes para concluir um estudo: a vida a bordo de mecanismos eletrônicos que nos conduzem para pisos superiores e inferiores.

Andei lado a lado com gente de todo tipo e de todas as partes. Gordos, magros, altos, baixos, pessoas blasé. Todas elas hipnotizadas pelo momento certo de embarcar e desembarcar.

A entrada: não importa o assunto, ele é sempre interrompido. Olhos apreensivos procuram o momento certo, um degrau inteiro, apenas seu, para poder pousar com dignidade pés aflitos, temerosos de um erro de posicionamento, capaz de provocar quedas dolorosas.

Escada rolante vem do latim trufado, Iscadum Rolantrum, palavra que era usada para designar pessoas que coçavam a garganta, provocando aquele som horroroso. Grrr grrr grrr.

Não pude precisar com exatidão o tempo de travessia já que minha ampulheta havia sido confiscada minutos antes por um funcionário da receita que se apresentou como Menezes.

Os olhos se perdem. Ora observando gente que vêm no sentido contrário, ora observando-se em movimentos diagonais nas partes espelhadas.

O corrimão, sempre preto. Pequenas ranhuras podem ser observadas. Em alguns casos, o apoio está parcialmente solto, o que permite puxões em sentido contrário, visando desestabilizar o repouso de pessoas mais a frente.

Todos marcham para o simulado de um juízo final. Seres humanos enfileirados a espera de algo. Cheguei a pensar numa ação de marketing de guerrilha onde anjos e diabos fantasiados distribuiriam logo na saída panfletos imobiliários. “Bem vindo ao piso decisão da sua vida”. Sim, isso é tão absurdo quanto escrever sobre escadas rolantes.

A chegada: olhos vítreos buscam os dentes da sucção onde degraus são engolidos impiedosamente em velocidade retilínea uniforme. Lendas urbanas contam sobre solas sugadas, vestidos enroscados, cílios enganchados e até mamilos cruelmente esmagados pelas mortíferas serras do fim. Pude ver passageiros fazendo o sinal da cruz ao abandonar a plataforma. “Sinal de respeito por aqueles que se foram nas escadas” justificou dona Maria do Carmo enquanto seguia apressada para outro lance.

Resolvi embarcar pela última vez. Respirei. Refleti. Temi. Uma bela ruiva que descia no sentido contrário me olhou de forma apreensiva. Meus cadarços estavam desamarrados. Cadarços longos e finos, como dedos de mariposas. Na frente, um rapaz carregado de sacolas de papelão e alça. Logo atrás, um pai com o filho no colo e um carrinho de bebê meio empinado na minha direção. Seria impossível abaixar. A ruiva sussurrou alguma coisa. Não podia me atirar, aquilo era um shopping. Minhas meias pingavam como a boca de um idoso mastigando uma bala 7 Belo.

Foi quando inventei a mini-reza da escada rolante que transcrevo abaixo:

“Escada Rolante/ que eleva nossa alma/ que rebaixa nosso sofrimento/ Escada rolante que nos tira de um mundo injusto/ que nos leva a andares com promoções e sanitários/ a quiosques com casquinhas e seguranças preguiçosos./ Desejo a ti e a teus degraus, em sua eternidade cíclica, o calor de pés abençoados/ Óh Escada rolante. Que no teu sono, possas mover-te em outras direções./ Escada rolante, conduz-me à verdade.”

Foi quando o manequim de braços amputados da loja de lingerie voltou a sorrir fazendo meu cadarço erguer-se num gesto de respeito.

O rapaz das sacolas se foi. Decidi ajudar o pai equilibrista com seu carrinho. Ainda tive tempo de olhar para trás e ver aquele doce sorriso ruivo ser absorvido pela engrenagem que a conduzia. Aquele era o seu destino. O meu era fazer este texto e patentear idéias como a dos anjos e diabos nas saídas das escadas rolantes.

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