Thursday, April 13, 2006

ATRASADO DE NOVO.

Você já parou para pensar como sempre estamos atrasados?

Logo pela manhã, a batalha contra o relógio, contra a calça que não entra, a camisa que está amarrotada, a meia que falta um pé, a pia que resolve entupir, a pasta que acabou e mesmo apertando na porta não resolve, o maldito elevador que passa direto pelo seu andar. Que raiva. Você acordou mais tarde do que o previsto, porque estava atrasado com a sua monografia e teve que varar a madrugada para fazer algo que deveria ter sido feito em pouco mais de seis meses. Claro que dá tempo. Chegando no escritório, uma pilha de trabalho te aguarda na mesa, tudo para ontem. O que você faz? Entra numa correria sem fim para terminar, não almoça, não usa o banheiro, não fala tchau para a gatinha que te cumprimentou, não vê que está chovendo e que o trânsito está aquela beleza. É quando você se lembra do aniversário de um ano da sua afilhada. Quando você chega, todos te olham torto. Sempre atrasado. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. No dia seguinte o despertador não toca, você acorda transtornado, e, a caminho do escritório, lembra-se de que tinha dentista, e que já havia remarcado outras quatro vezes, só naquela semana. Desvia o caminho, pega um trânsito dos demônios e chega atrasado. Outra pessoa já está sendo atendida. É hora de se inteirar das fofocas nas revistas de famosos. Quando finalmente acha algo interessante, seu nome é chamado. O tratamento começa com meia hora de atraso, e consequentemente você chega ainda mais tarde para trabalhar. E não é que tinha uma reunião? Você entra, e todos te olham com a mesma cara que a sua família te olhou na noite anterior. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. A reunião dura mais do que o esperado e você sai correndo para tentar pegar algo fresco no bandejão de sempre. Os ovos de codorna já estão meio destruídos, fruto da imprudência e da gula armadas de colheres pontiagudas. O pastel de carne está frio e o lindo pedaço de parmegiana que você pegou, não era de carne, mas sim de berinjela. Desgraça. Isso que dá chegar atrasado. Mesmo comendo mais rápido que motorista de excursão, mais uma vez você está atrasado, dessa vez, para ir ao banco pagar todas as suas contas que também estavam atrasadas. Banco por natureza é um ponto de encontro de pessoas atrasadas. Olha a cara desse caixa. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. Basta prestar atenção nas conversas da fila. Todo mundo atrasado, ofegante, tossindo, descansando a mão entre a popança e a calça. Volta pro trabalho. Alguém faz uma piada sem graça. Você ignora. Alguém consegue a proeza de chegar depois de você. É hora de sacanear. A pessoa retribui num gesto obsceno. Você se levanta e vai tirar satisfações. O papo logo descamba para maldizeres referentes a outros colegas. Até aqui, estou relatando o meu dia de hoje. Nesse exato momento, estou escrevendo este texto e ao mesmo tempo atrasando outros projetos. Alguém me chama de lado para uma conversa. Eu me esqueço onde tinha parado, mas, como não tenho tempo, volto a escrever como se soubesse a seqüência. Deixa pra lá. Agora é o celular que faz um barulho esquisito, desafiando minha paciência. Me desconcentrei de novo. Acho que não vai dar tempo. Vai sim, nem que eu chegue atrasado na aula de esperanto. Claro que eu não faço esperanto. O cara que senta do meu lado me chamou de novo. Não entendi o que ele disse, e, de quebra, fiquei ainda mais confuso. Começo a usar a tática infantil de tapar os ouvidos e cantarolar mentalmente um irritante lálálálá. Inútil. Ele começa a falar mais alto. Dou um pulinho no banheiro. Chego atrasado. Calma, está tudo sobe controle. O relógio já marca 4 da tarde e a volta do almoço ainda não me rendeu nada de produtivo. Tudo bem, ninguém precisa saber. Quer saber, vou dar uma enroladinha, e sair mais tarde, de novo. É legal chegar depois de todo mundo. Dá status, as pessoas pensam que você trabalha demais, que o seu cotidiano é muito mais puxado e que você tem o direito de sempre estar atrasado. Deve estar bêbado. Olha a barba dele.

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