Thursday, July 20, 2006

O DESTINO ESTÁ EM SUAS MÃOS.

Tomando meu banho matutino percebi que a pior coisa que posso ser numa próxima vida é um sabonete.

Pêlos grudados, confinado numa caixa de plástico, sem respiros nem grandes pretensões. Nada de férias, décimo terceiro ou cartão do Garfield no aniversário.

Sendo um sabonete, abrir uma long neck no antebraço seria praticamente impossível. Uma porque a glicerina não possui a aderência necessária para o serviço, outra porque sabonetes não possuem antebraços aqui no hemisfério sul, onde moramos.

A vida de um sabonete é uma desgraça. Eles não possuem luxos, nem preferências. É ele quem está sempre na linha de frente nessa batalha já perdida contra impurezas e bactérias invisíveis a olho nu. Eu morro de medo de coisas invisíveis a olho nu.

A maldição não escolhe cor nem fragrância. Você pode simplesmente acordar vinho e translúcido sobre uma superfície plástica fechada hermeticamente, dentro de um armário com cheiro de regata cavada suada, no clube do servidor público. É meu amigo, pode esperar.

Sabonetes não possuem e não conhecem o fim. São criaturas aromáticas capazes de assumir quaisquer formas unindo-se a outros sabonetes. Sua sina é vagar de mão em mão, corpo em corpo até o último dia da sua espumosa, mas não vitoriosa vida. O chão, definitivamente não é o fim do poço.

Corpos suados, salgados, com imperfeições e secreções. Rostos, acne, bigode e suor. Axilas, dobrinhas, costas e feridas. Bolhas, unhas e casquinhas. Se existe algo pior, este é o contato com as mãos calejadas daqueles senhores que conduzem caminhões por nossas estradas federais, onde dita a lei quem ostentar o xadrez mais trabalhado na camisa.

Sofrimento. Liquefação. Contato. Seres humanos não ficam de molho em água quente antes do banho, nem passam por pré-lavagem. Pessoas transpiram, juntam sujeira, atraem doenças.

Você ainda pode cair na desgraça de ser selecionado para estrelar um comercial de televisão, e se ver num mal-acabado efeito de computação, bailando a beira de uma pia, enquanto outros sabonetes, em manobras exuberantes, mergulham em busca de redenção. A sorte pode surgir num bailar escorregadio pelo corpo de uma diva. Mas e se essa não for a sua praia?

Pense em sua partida lenta e espumosa. Imerso numa poça termal, por dias e dias.

Roupas da moda? Tá bom. Sua embalagem virá cheia de termos como Naturals, Segredo das Matas, Arroto de Anjo e demais imbecilidades que marketeiros implantam após criteriosas pesquisas de consumo com animais de pequeno porte.

É uma pena, mas nada podemos fazer. O jeito é orar em silêncio a cada lavagem, a cada banho, respeitando aquele que cumpre penitência na palma da sua mão.

Na próxima vida você pode ser um sabonete, um flamingo ou um gondoleiro em Veneza. O destino está em suas mãos. Não o deixe escorregar. Assim dizia o coral. Assim dizia o coral.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

adoro a essência da sua escrita. vc descreve assuntos q seriam dificilmente pautados pela maioria dos escritores.

excelente!

esse é o meu garoto!

bjus Gi

10:22 PM  

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