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A sensação é indescritível. Uma mistura de frio na barriga, vergonha e ânsia de vômito no final. Se a Tia Augusta estivesse viva (não joguei no Google pra confirmar o óbito), ia se envergonhar de ter aberto a porteira ianque.
- Mas esse tênis é 43, amor.
- Mas tá barato.
- Mas você calça 39.
- 39 e meio. Além disso, tem 50% na segunda peça.
- Oba! Vou ver se encontro um pra mim.
A farra dos descontos transforma ministro da fazenda em adolescente desvairado com mesada no bolso. A partir daí, o top 3 do que mais se ouve pelos corredores é “vale a pena”; “sabe quanto fica em reais?”, e “ainda falta a encomenda da Soraya”.
- Amor, tem certeza que precisa levar 19 desse hidratante de cereja?
- Claro, vale a pena.
- Mas você não acha um pouco enjoativo?
- Acho, mas acostuma. Além disso, são apenas 30 centavos por mililitro.
- Mas vai ocupar o maior espaço na mala.
- Então aproveita e já compra outra mala. Vale a pena!
Na hora da verdade, o transe consumista arranca o pior de todos os portadores do passaporte azul marinho. Entre uma arara e outra, a luta pela última camiseta “P” se torna mais violenta do que a repartição do bolo de São Paulo.
- Larga você sua... piranha de Governador Valadares!
- Credo, mãe, já larguei... precisa disso?
Preparadas para a invasão bárbara dos trópicos, as lojas contratam funcionários brasileiros e hispânicos. E pensar que aquele investimento de 18 meses no CCAA poderia ser gasto na Victoria Secrets...
- Please? “Puer favor”? How much? Quanto “cuesta”? El “priesso”?
- Tá na etiqueta, ô, anta consumista.
As compras começam racionalmente pelos tênis de corrida, perfumes e óculos de sol, mas rapidamente descamba para capachos da Tommy, tacos de golfe, armadilha para urso e por aí vai.
- Que que é isso, Nelsinho?
- Um bebê conforto. Lindinho, não é?
- É, mas você só tem 12 anos. Não acha que vai demorar um pouquinho para ser pai?
- Pergunta pra sua filha, aquela piranha de Governador Valadares.
Na hora de voltar pra casa, um pequeno probleminha: lidar com a mala. Para fechar, a família volta a se unir. O mais pesado senta em cima, outro fecha o zíper e um terceiro põe o cadeado.
Problema mesmo vem na hora de despachar.
- Lamento, senhora, mas são apenas duas malas de 32 quilos por passageiro.
- Faz vista grossa. Olha aqui, eu te dou um hidratante e...
- Lamento mesmo, mas além da quantia, essa mala excedeu em quinze quilos o limite.
(Olhando para o marido)
- E agora, amor?
- Tira as encomendas. A Soraya que se dane!