Friday, August 31, 2007

POR MOTIVOS DE FORÇA MAIOR, NÃO ACEITAMOS CHEQUES.

Não é a primeira vez que volto de um estabelecimento com a pulga e o percevejo atrás da orelha.

Está escrito, geralmente à mão, e em letras garrafais, para que todos possam ler antes mesmo de consumir que, naquele estabelecimento, cheques, tocadores de realejo e funcionários da Caixa não são bem vindos.

A tecnologia e os crimes do colarinho branco (adoro este nome) estão aposentando precocemente o cheque, esta mágica nota promissória que sempre nos concedeu, mesmo que momentaneamente, ares de burguesia.

- Rapaz, diz que esse aí é dono de metade dos bois de Anápoles.- Gente fina. Aprumado. Parece que tem estudo no estrangeiro.

O talão de cheques reúne em sua prática forma retangular atributos inegáveis de um produto que deveria sobreviver para sempre, assim como o Leo Batista. Vamos a eles: a) folhas que se destacam. Quem não gosta disso, boa gente não é; b) lugar demarcado para a sua assinatura, e a de mais ninguém. Aquela mesma assinatura treinada à exaustão no papelzinho de recados, logo ao lado do telefone; c) o ato de cruzar, que nos confere a sensação de poder ao veto do saque imediato. Duas linhas em diagonal, firmes e paralelas dizendo ao sacador: “ei, empadão? Saque apenas daqui a dois dias”.

Uma gloriosa história de financiamentos de sonhos, interrompida por um aviso contundente: por motivos de força maior, não aceitamos cheques.

Quem sou eu para questionar a decisão? Dono é dono. Faz a lei conforme a previsão do tempo. O que me intriga mesmo é o termo “forças maiores”.

Seriam elas, parte de um poder maçom envolvendo proprietários, misticismo e seres da floresta, não utilizados nas porções lá servidas?

Seriam forças eletromagnéticas capazes de levar o local à falência caso algum cheque pernoitasse na caixa registradora?

Seria uma força tarefa? Uma força expedicionária, bruta ou de busca?

Por acaso, existem forças menores?

Cozinheiros abduzidos. Caixas desaparecidos. Garçons com o dedo indicador do pé maior do que o polegar.

- Grande! Posso falar com o gerente?
- Lamento, ele não se encontra.
- Chama então a tal entidade das forças maiores.
- Prefiro não falar sobre isso.

Concordo que a inadimplência no país é alta. Sim, todos estão sujeitos a cheques sem fundo, voadores, vai-e-vem, como queira. Sempre foi assim. Mas e daí?

Sou cético. Não posso aceitar que uma força invisível decida a forma de pagamento por mim.

Já, já, vai ter bar e restaurante dizendo: por motivos de força maior, pedimos aos senhores clientes, que falem estritamente o necessário, mastiguem de boca fechada, façam o sinal da cruz antes, durante e depois o processo de pagamento e, ao sair, em hipótese alguma, olhem para trás.

Como reagir? Pare de freqüentar tais estabelecimentos proibitivos. Essa sim é a tal força maior. Xeque-mate. (não resisti).

Monday, August 13, 2007

UM DIA EU AINDA MORRO DE VERGONHA ALHEIA.

Olhar ao próximo pode muitas vezes ser um grande incômodo.

Isso acontece porque o ser humano costuma ter atitudes impensadas capazes de interferir diretamente com os seus sentimentos.

Olho para um lado e um conhecido do trabalho cantarola com a boca enquanto esboça uma requebrada de pelve, ainda sentado na cadeira. Os olhares curiosos acabam por estimular a cantoria e aprimorar os movimentos corporais. Sua mão percorre a camiseta sensualmente, pelo lado de dentro. Os olhinhos se fecham e a boca se abre franzidinha, revelando seus dentes da parte de cima.

- É que quando eu danço lá no clube o pessoal me chama de Serpente do Poperô.
Olho para o outro e me deparo com a senhorita “minha vida é um livro aberto”, ao telefone com o namoradinho da internet (vergonha), assassinando o bom português e contaminando o ambiente com uma névoa de açúcar cristal que acaba por provocar um enfarte no diabético Venâncio.

- Dendê? Divinha quem é? Já tô cum xoudadi! A zente si vê mais tádi, né? Tiamutiamutiamu ao infinituuu.
Sentir vergonha é ruim, mas nada se compara a sentir vergonha alheia. Não há para onde correr. A cena fica na sua cabeça e horas depois você continua incomodado.

A vergonha alheia é todo e qualquer sentimento ruim que você sinta por outra pessoa, assim como acontece quando o José Gotinha vacina um dos gêmeos univitelinos e é o outro quem chora.

Além disso, esse tipo de embaraço tem como característica marcante, a previsibilidade. Você antevê o problema, antecipa os movimentos, sabe o que vai acontecer, mas, por alguma força maior, não consegue impedir.

- Pelo amor de Deus, não deixa a Miriam pegar o microfone.
- Você prefere ela puxando trenzinho?

Engana-se quem pensa que tal vergonhinha acontece exclusivamente com pessoas próximas ao seu cotidiano. Assistindo TV, por exemplo. Pegue qualquer um destes programas dedicados a unir casais. O rapaz entra em cena com o seu crachá-coração e dá o seu showzinho particular:

- Sou um cara romântico, carinhoso, extrovertido, sincero e eclético. Eu adoro sair, viajar e praticar esportes radicais (onde você pratica esportes radicais, meu filho? Onde?). Ah, eu também danço axé, profissionalmente.

Nesse momento, sobe o som e o cara capricha para valer, motivado pelo “uh uh uh uh” que vem da platéia, ávida por desgraça.

(Nossa, até parei de escrever de tanta vergonha. Juro. Isso me faz mal).

Alguns canais pra frente, uma fileira de adolescentes, aguardam ansiosamente seus momentos de fama. Aquele que gritar “socorro + nome da apresentadora” mais alto, ganha o direito de enroscar a língua na da garota vendada. Um dos participantes, solta um grito fraquinho, fraquinho, e recebe uma calorosa vaia. Ele sorri, agradece com os punhos cerrados para cima e volta para a platéia como se nada tivesse acontecido, enquanto eu me soterro de almofadas para abafar o grito de desespero. Quanta vergonha.

- Úh uhú ai-ai-ai-ai-ai.

Quem inventou esse gritinho? Sempre que esboçam iniciar esta manifestação invejo as equipes do National Geographic, em suas expedições no ártico. Até onde eu sei, ursos polares são incapazes de queimar o filme por besteira.

Nas ruas a coisa fica ainda pior: pseudo-rachas com cantadas de pneu, buzinas temáticas, som no talo. Para onde quer que se olhe, lá estará alguém, numa situação ridícula, nem imagina o papel de pastrame que está fazendo.

E nem adianta sinalizar, pedir para parar, dizer que já basta. Você correrá o sério risco de se tornar protagonista.

Olhar ao próximo como se estivéssemos olhando a nós mesmos? Até parece.