Wednesday, August 23, 2006

O QUE TEM DE SOBREMESA?

Quantas vezes fomos forçados a terminar um prato de comida já frio, com gosto de mucosa interna da bochecha em troca de algumas colheradas de algo docinho no final?

Sobremesa é uma das coisas mais gostosas que existe.

Ela é usada há mais de mil anos como ferramenta de aliciamento e negociação com tiranos, engenheiros nucleares, professores de cursinho e até imitadores do Michael Jackson.

O fator sobremesa foi inclusive usado no dia da redação final do tratado de Tordesilhas. Não fosse por ela, o meridiano de Greenwich estaria bem em cima de Araçatuba.

A palavra sobremesa, por si só já nos faz salivar. Tipo gratinado. Pode esperar. Antes mesmo da minha primeira comunhão penso em escrever um texto sobre pratos gratinados e pijaminhas tip top.

Geladas. Saborosas. Cremosas. Fresquinhas. Com calda. Sem calda. De colher. De garfo. De comer com a mão. De lamber os dedos. De lamber o alumínio que a protege. De empurrar uma freira numa escada em troca de mais um pedaço.

Sim. Sobremesas viciam e devem ser tratadas como tóxicos.

Eu adoro pudim de leite. Só de imaginar a calda escorrendo sinto vontade de largar tudo e mandar meu currículo para algum acampamento infantil. Pode ver. Essas desgraças cercadas de chalés e campos extra-oficiais de futebol, sempre trazem sobremesas após todas as refeições, inclusive o café da manhã.

Não comeu tudo, sonegou o imposto de renda, imitou manco na festa de fim de ano, espetou amiguinho com a ponta seca do compasso, lambeu o dedo para virar a página, não ganha sobremesa. Uma lei tão básica quanto aquela que diz que pombas malhadas não podem pousar em fios de cobre. Tá na constituição de bolso que carrego no porta-luvas do carro junto com um boneco de plástico do Homem Fera, que já veio no carro.

A energia ingerida numa mordida de quindim equivale a um abraço frontal num polonês suado de meia-idade e com problemas de tireóide, vestindo blazer de camurça no verão de Salvador.

Vai comer o seu? Então passa pra cá. E aquelas bombas recheadas, redondas e bicolores? Não que eu goste da parte branca, mas o prazer de comer um pedaço da fronteira é quase o mesmo de ver uma pessoa tentando trocar os canais da TV com um controle sem pilhas.

Beijinho. Floresta Negra. Brigadeiro. Torta de limão, de morango. Quer trocar pela versão light que leva fatias desidratadas de berinjela? Vai fundo. Enquanto isso eu mergulho numa banheira cheia de leite condensado, daquela marca que tem uma camponesa de pernas torneadas com balde na cabeça.

Você por acaso já contou uma a uma as folhas de um bolo mil folhas? Sei. Sei.

Se eu pudesse inventar uma sobremesa, ela teria muito chocolate, camadas geladas intercalando bolachas cookies, fatias de banana, caldas variadas e alguns verbos transitivos diretos que na falta podem ser substituídos por miolo de pão embebido em leite, pode acreditar.

E quando nos pegamos dizendo que estamos com vontade de algo docinho? Nesses dias sou capaz de colocar aveia e açúcar num caldinho de feijão.

Hummm. Atenção. Se você saboreia qualquer prato ou sobremesa e antes mesmo de engolir, solta meio que sem querer um desses “hummm”, você está acima do peso. Roliço como um touro mecânico. Mas não tem problema. Se tiver que cortar algo na sua dieta, corte o açúcar do café, ovinhos de codorna e pratos húngaros. Esses são os grandes vilões.

Thursday, August 10, 2006

NO DIA DOS PAIS, NÃO PEÇA PARA ELE TE BUSCAR NA MATINÊ.

De uns dois anos para cá, grandes amigos começaram a ganhar nenê.

Isso mesmo, ganhar nenê. E já começa por aí. O termo vem todo errado. Parece que as crianças chegam ao endereço comercial do destinatário, embalados em plástico-bolha, recobertos por um resistente papel pardo do Submarino.com.

Eles acabam de se tornar pais.

Pais como o meu, o seu, o pai do seu pai. O pai dos burros. O pai da aviação. O pai do Fábio Jr. O pai do papai Papudo.

Eles acabam de entrar na fase dois e terão que decorar um novo e extenso manual, que infelizmente, não sai na Ação Games do mês vigente. Muda as roupas, o palavreado, o penteado. Mudam os hábitos alimentares, os horários, as práticas econômicas, o nome de algumas capitais não muito importantes, muda a voz.

Pessoas que até ontem rolavam comigo na porrada, enchiam a cara de vodka barata misturada a qualquer coisa, que ligavam em casa disfarçando a voz: “Alô, eu queria falar com o Abdalla. É da Receita Federal?”

Claro que é.

Aí eu me pego visitando em maternidade, nitidamente sem saber o que dizer na hora certa. Parece que as palavras são sempre mal escolhidas. “Não acredito que essa criatura tão lindinha saiu de suas entranhas” para amigas e “É, deu pra ver que não puxou o pai. Graças a Deus”, para amigos. Aliás, se todo pai ganhasse um dobrão de ouro, que vale muito mais do que dinheiro, cada vez que alguém dissesse isso, não haveria peruas Ipanema entupindo as estradas que levam à praia, a cada feriado prolongado.

Na presença do recém nascido, cinco coisas devem ser evitadas, a saber: palavrões, Vasenol Juntas e Articulações, queijo processado tipo chedar, sungas de lateral estreita (sempre elas), e o livro “De onde viemos?”

Meu Deus, como é pequeno.

Daí você repara no seu amigo com aquela cara. Ele é pai. Você é tio. Tenha medo.

Meninos tornam-se pais. Meninas tornam-se mães. Tampinhas de refrigerante tornam-se arte moderna que, se fosse feita por minhas mãos, não estaria exposta nem no mural de recados do meu prédio.

Se eu seria um bom pai? Bom, isso depende de algumas variáveis. As únicas vezes em que me prontifiquei a cuidar de seres vivos não foram muito louváveis. Pergunte ao lindo peixinho dourado que recebeu o nome de Guerreiro por conseguir viver por dois longos anos numa água turva de um aquário improvisado em copo americano. Ou àquela criança loirinha que ficou sob minha custódia no reveillon de 88, e que, após tomar uma dessas raspadinhas de groselha, tornou-se um grande e felpudo panda vendedor de algodão doce. Sim, é assim que eles começam.

Se for homem: jogador de futebol. Se for menina: manequim estilo vitrine vivo. Nada de estimular advocacia, medicina ou engenharia. Serão artistas independentes. A grana apertou, basta correr pro semáforo.

Você já é pai? Então parabéns. Ainda não? Então agiliza. Um exército de pandas vendedores de algodão doce vem aí.

Thursday, August 03, 2006

TROMBADINHAS. O PERIGO VESTE CAPUZ.

Acordei assustado. Sonhei que tinha sido roubado por um trombadinha.

Lembra deles? Os trombadinhas povoaram de medo nossas infâncias. Traumas riscados a canivete em nossas almas. Eu tinha mais medo de sair na rua em dia de feira do que engolir bala Soft, no começo de uma sessão de “Dança com Lobos” no cinema.

Trombadinha, pra quem não lembra, é uma versão anos 80 de delinqüente, um mini-craque mal intencionado. Praticamente uma Taça São Paulo de Juniores voltada ao crime.

Eles tinham um jeito único de agir. Conseguiam ser ameaçadores com apenas um olhar. Armavam-se de todo e qualquer objeto urbano como restos de gira-gira, latas de Nescau, retratos-pôster do José Rico, e por aí vai. Não havia como não se sentir intimidado.

Um amigo meu, hoje presidente de multinacional têxtil, chegou a ser roubado com um cachorro quente. O cachorro quente não foi o objeto furtado, mas sim a ferramenta de submissão utilizada para o delito. Delito é uma dessas palavras técnicas muito legais de usar, tipo pró-labore e menisco.

Numa outra ocasião, fui abordado a dois quarteirões de casa. Ele aproximava as mãos do meu rosto e dizia “Óh se eu quisesse”. Depois recuava as mãos, e repetia tudo de novo. Uma mão estava fechada e a outra aberta, com a palma para cima, como que se lamentando, na verdade, ele só queria dizer: “não queria fazer isso, seria uma honra ser o seu par naquele torneio de pôquer com baralho da Playboy, no cruzeiro em Punta, mas terei que ser agressivo para ter acesso a alguns de seus pertences”. Passamos quatro dias e cinco noites nesse agride/não agride. Cansado, suado e atrasado pra tomar o remédio das seis, simplesmente virei de costas e segui para casa. Ainda o vejo no mesmo lugar, sempre repetindo aquele movimento. Segundo o professor de educação física Vidal, tal exercício trabalha os deltóides.

Em uma outra ocasião, meu primo e eu fomos abordados por um trombadinha braço-curto. Uma vergonha para a casta. Ele ali, dono da situação, sentado na frente de uma casa com placa de aluga-se, nem se deu ao trabalho. “Ei, vocês vão dar a grana ou eu vou ter que levantar?”.

Por lei aprovada em março de 75, todo trombadinha deve pesar entre 48,8kg e 53,3kg. Nem mais nem menos. O bigode ou buço deve ser ralo, apenas uma penugem. Os que não tem, rapidamente aprendem o truque da pasta de cola branca e grafite 0,5 em pó. O bom costume recomenda sempre um “Ae mano. Num olha pra trás. Vai andando. Passa a carteira. Tem cinco cruzêro? Se achar é meu? Como não tem? Tá me tirando mano? Vai, vai, sai andando.”

O happy hour deles acontecia invariavelmente nos fliperamas. Lá, ficavam se vangloriando dos feitos do dia. Rapidamente, uma rica exposição de tênis cano alto, bonés de times de basquete, agasalhos, relógios, componentes de bicicleta e ações da Vale era montada. Como passatempo, ainda roubavam outros tontos, isso quando não decidiam nos tirar do controle, assumindo a vez no jogo: “Deixe que mato pra tu”.

As pernas tremem, o olho lacrimeja, a voz afina. Dá vontade de ligar pra casa, pro ministério da defesa, pro CVV, pro Criança Esperança.

Passado o susto, vinha o momento mais legal, o de contar o drama vivido com riqueza de detalhes. “Meu, eram dez homens bem treinados, camuflados e armados com alabardas medievais. Um deles empinava um triciclo enquanto rodava um tchaco logo acima da cabeça. Mais atrás, um anão com roupinha social segurava o doberman na coleira e dava as ordens”. Anão vestindo social dá muito medo.

Que bom que o tempo passou. Espero não sonhar novamente com isso e exorcizar de uma vez por todas esse trauma, isso se não decidirem rodar “O Trombadinha Trapalhão” com Conrado, Duda Little e grande elenco.