Thursday, December 21, 2006

JÁ É NATAL DE NOVO.

Parece que foi ontem que escrevi o último texto sobre o Natal. Que coisa, não?

Continuo sentado na mesma posição, com a mesma roupa (só troquei de cueca), como se nada tivesse acontecido nesse meio tempo. E nenhuma criancinha me trouxe cartinha pra ler.

A data está aí e a necessidade de escrever novamente sobre ela me fez refletir como nunca sobre esse fenômeno: o da rápida passagem de ano. Mais do que falar sobre o dia, vou citar aqui algumas hipóteses para esta súbita passagem de tempo.

O ano deve ter cravado suas unhas nas costas felpudas de pelagem baixa das renas e num rasante de chifres e emoções chegou até aqui tão depressa. Péssimo.

Papai Noel, numa crise de ciúme, decidiu voltar à mídia. “Se pudesse tirar as roupas íntimas como a Britney para aparecer mais nos jornais, até que faria, mas aqui é muito frio. No máximo, podem me flagrar sem as ceroulas”.

O finado homem do tempo, ainda de sapatos brancos, decidiu mostrar seus superpoderes controlando não só a irritante garoa de São Paulo, como também o rápido descarte de folhinhas dos calendários.

Aquele chinês gigante que tá no Guinness ficou de recuperação em geografia e, como forma de protesto, girou sucessivas vezes e no sentido horário o globo, vulgo Terra, acelerando os dias para a frente, fenômeno este comprovado cientificamente no filme do super-homem.

Após passeatas, queimas de caixas de papelão, e o seqüestro das frutas cristalizadas, as uvas passas lideraram uma áspera e tensa negociação com as gigantes dos panetones. Pressionados, supermercados e atacadistas alteraram o calendário incluindo outros 5 Natais ao longo do ano e mais 3 setes de setembro, só para ver mais vezes a formação daquela pirâmide humana sobre motos (convenhamos, é bem legal).

De tanto comer peru com farofa, nosso cérebro adquiriu uma estranha anomalia redutora de percepção temporal, causando um efeito conhecido como síndrome do “esse ano voou”. Isso acontece porque os perus, aves de passadas largas e elegantes, possuem bactérias mutantes que trafegam em velocidade duas vezes superior às nossas. Engana-se quem pensa que um simples levantar de termômetro indica a morte das criaturas, num funeral silencioso dentro do forno. Pelo contrário, as bactérias de crina vermelha reproduzem-se freneticamente, atingindo em tempo recorde o sistema nervoso central e alterando de vez nossa percepção de passagem de tempo. Em raríssimos casos foi detectado também o nascimento de penas e papo.

Você cheirou uma guirlanda no último Natal? Então é isso. Uma poderosa toxina verde, muito mais poderosa do que as encontradas nos “boa noite Cinderelas” traz um efeito devastador, causador do sono natalino, já batizado de “bom dia Santa Claus”. Os infectados acordam momentos antes da troca de presentes de amigo secreto, ao pé da árvore.

A proliferação de tiozões é a grande culpada pela sensação de que o ano anda voando. Reflita sobre o tema. Antigamente, o fenômeno era esporádico e acontecia invariavelmente à mesa, na hora da ceia. “É pavê ou pá cumê”. “Onde você comprou essa camisa tinha pra homem”. Frases proferidas com riso aberto e hálito de uísque. A multiplicação nada planejada de tiozões causou essa confusão cerebral e, agora, parece que sempre que ouvimos termos do gênero, acreditamos estar no Natal mais uma vez. “Gente coisa é outra fina”. Meu Deus.

Mas e você? Acha mesmo que o ano passou depressa? Agora eu te pergunto: e daí? Comida farta, bebida de gente grande, presentes, almoço com as sobras no dia seguinte, sobremesas cheias de calda, cochilada no sofá, luzes piscando colorindo a cidade, dispensa no trabalho. Eu acho tudo isso muito bom. Espero de verdade que o Natal possa sempre chegar tão rápido, até mesmo porque logo na seqüência vem o ano novo e um pouquinho depois, carnaval. Continua achando ruim? Então desejo a você e a todos os seus (adoro esse termo) um feliz Natal em todas as línguas, igual o Papa.

Thursday, December 14, 2006

QUEM É O CARA DO TIRA-TEIMA?

Pessoas vêm ao mundo com diferentes propósitos: catalogar insetos, rechear almofadas, escrever horóscopo, vender artesanato, juntar os calcanhares no ar num só pulo.

Poucas delas conseguem se tornar relevantes para o mundo onde vivem. É o caso dos desenhistas de unicórnios para carrosséis, dos anões de língua presa e do profissional por trás do tira-teima.

Você já parou para pensar na importância desse último em nossas vidas?

É ele quem alimenta discussões baseadas em planos verticais, horizontais, e bonecos 3D com giros de até 360º. Um traço-mágico de discórdia e justiça geométrica.

Bola em profundidade. O time da casa ganha por um a zero. O lance é duvidoso e o time de uniforme estranho empata o jogo, na maior polêmica do fim de semana.

No momento do lançamento ninguém viu a propaganda que apareceu no canto superior da tela. Azar. Olhos atentos viajam com a bola, o domínio, a arrancada final, a finta de quadril no goleiro, um som oco de caramujo na orelha, a conclusão para as redes.

O mundo se divide. O casal tira as alianças, os amigos de infância tocam em feridas do passado, primos irmãos decidem não participar do amigo secreto de fim de ano. Isso tudo até o oráculo da justiça entrar em cena. Protestos dão lugar ao silêncio constrangedor da coerência absoluta. É inapelável.

O casal, os amigos, os primos, o mundo se conforma com o veredicto preciso, milimétrico, tecnológico. Unanimidades são raras hoje em dia.

E se o cara do tira-teima aparecesse no show do intervalo? Que cara teria? Seria ele grisalho, magro e sorridente? Usaria calça de sarja e pólo para dentro? Talvez.

Ninguém sabe o nome dele, seus gostos, preferências, promessas para o ano novo. O que sonhava ser quando crescer? Pra que time torce? Será que gosta mesmo de futebol? Fala seis ou meia-dúzia? E se ele for ela? Sobre isso, Dan Brown não escreve livros, né.

O tira-teima é sub-aproveitado. Com ele acidentes de trânsito diminuiriam. Água no umbigo, sinal de perigo. O tira-teima revelaria no ato se a posição dentro da água fosse irregular. Até o sexo entraria nos eixos (vertical e horizontal com linhas coloridas). “No momento da enfiada o atacante estava um pouco adiantado”. Impedimento. Volta o lance.

O país do futebol exportaria a solução para sanar dúvidas geopolíticas mundiais. A regra é clara. “No momento da tempestade de areia o nariz do beduíno estava doze centímetros em território israelense”. Ou também: “A defesa palestina recuou em massa, deixando o premiê em posição duvidosa”. As infrações seriam detectadas no momento preciso, assim que acontecessem, não deixando espaço para discussões posteriores.

Pense nas melhorias. O tira-teima devolveria a dignidade perdida das torneiras. “O elástico esgarçado da calcinha estava em posição irregular cobrindo o azulejo”. Multas seriam revogadas. Marronzinhos seriam substituídos por bandeirinhas dos quadros da Fifa. Frases como “você passou dos limites” só poderiam ser utilizadas sob o olhar criterioso deste profissional único.

Já no campo político, onde por aqui, o presidente é o último a saber de tudo, a inversão de valores seria significativa. O rapaz do tira-teima, em algum cargo ministerial, traria as informações privilegiadas em primeira mão para serem debatidas no planalto. Movimentações irregulares seriam detectadas com exatidão.

Diretas já. O cara do tira-teima assume a presidência, amplia nossos horizontes em centímetros preciosos, faz uma reforma profunda, põe o país literalmente na linha, e nós, bem, nós somos substituídos por bonecos 3D que giram até 360º. Eu topo.