Thursday, June 28, 2007

EU DESCONFIO DE QUEM NÃO COME BORDA DE PIZZA.

Semana passada, sentado à mesa de uma pizzaria de bairro, fiquei observando o comportamento das pessoas ao meu redor.

Entre análises superficiais sobre os tipos mais irritantes de risada, os novos tipos de design em barbas e o barulho ininterrupto de cadeiras sendo arrastadas para frente e para trás, percebi o quanto me incomoda ver as bordas abandonadas nos pratos.

Arrisco dizer que isso me irrita mais do que hippie vendendo artesanato em dia de chuva na praia.

Se é pra deixar algo, que seja a fatia extra de aliche ou a azeitoninha preta (desde que já tenha comido pelo menos dez).

O pedaço de pizza só pode ser considerado liquidado quando a borda, já mastigada, repousar dentro do bucho do consumidor.

- Pô, mas você não vai contratar o Israel?

- Não.
- Mas o cara tem mestrado, fala 5 línguas, trabalha em equipe.
- Mas não come borda.

Outro dia, na casa de uma amiga, vi um pratinho que parecia um “cinzeiro de bordas”. Deviam ter umas oito. Um crime inafiançável em bairros como o da Mooca. Decidi pegar uma para comer, afinal, é pecado jogar fora. Quando aproximei o crocante pãozinho da boca percebi uma marca de batom grifando a marca da mordida. “Inferno, se não gosta da borda, então que tire logo com a faca”.

- É o que mais engorda na pizza.

Ótimo. Então por que você não vai jantar num rodízio de barras de cereal?

Arriscaria dizer que, não comer borda, é o primeiro e perigoso sinal da velhice, assim como usar trocadilhos logo pela manhã, andar com malha fininha no ombro e na hora da conta, dizer que o da ponta é quem paga. Meu Deus.

Se ela não fosse tão importante, por que inventariam a expressão “começar comendo pelas bordas”?

Não gosto também desse papo de bordas recheadas. Borda é borda e ponto final. Parece aquelas mães que misturam o remedinho dos filhos no refrigerante.

A borda é o RG da pizza, seu cartão de visita e nunca, em hipótese alguma, deve ser usada como álibi por quem se encontra em dieta:


- Comi sete. Mas deixei as bordas.

Pergunta se essa gente descarta o biquinho achocolatado do Cornetto, ou se joga fora o saco de Doritos sem antes despejar seus alaranjados farelos na boca.

- Por que você não pede uma pizza só de borda?

Pessoas que não comem borda podem ser emocionalmente confusas, tendendo a deixar coisas pela metade, mal-acabadas, sem fim.

É o caso de funcionários públicos, jovens em primeiro ano de faculdade, deputados, senadores e políticos em geral. Diferente das pessoas que se encontram a beira do divórcio, advogados, e bancários em semana de bater cota. Estes tendem inclusive a pegar a borda do seu prato.

A questão é tão importante que deveria até constar nos prontuários médicos:

- Algum caso recente de tuberculose, diabetes ou hipertensão na família?

- Não.
- Já deixou borda no prato?
- Nunca.

Em resumo, evite desperdícios e nunca confie plenamente em quem não come bordas, ainda mais se essa pessoa estiver vendendo artesanato num dia de chuva na praia.

Friday, June 01, 2007

AS PLACAS DOS CARROS CONVERSAM COMIGO.

Ultimamente venho reparando mais do que o normal em placas de outros carros.

Uma rápida e prazerosa leitura que distrai e entretêm, igualzinho quando estamos no banheiro e decidimos explorar o verso do tubo de shampoo. “Extratos vegetais da Amazônia. Manter longe dos olhos. PH neutro. Cuidado: viscoso”.

Quando as letras não formam nada conhecido, tento fazer associações. Nada é por acaso.

IJC4857 – O dono do carro chama-se Ítalo Jatene Cardoso, comprou o carro aos 48 e hoje está com 57. Ou cada letra representa um problema recorrente na vida do proprietário: Íngua, joanete e coriza. Os números representam a intensidade das ocorrências.

Olha, juro que costumava recomendar. Um belo passatempo para curtir sozinho. Só que de uns tempos para cá, tudo o que estou pensando possui uma resposta, um palpite, uma opinião. Sinto-me observado, íntimo de chapas de metal com letras e números.

Alguém me liga sugerindo um barzinho.
OBA. Interfere um Palio.

Acho que minha carteira de motorista está vencida.
ETA. Solidariza uma Pajero.

Muitas vezes não faço parte do diálogo, mas sei que algo maior está acontecendo. Fica nítido que os chassis possuem sentimentos e gostam de se comunicar através de suas placas.

OLA
EAI
BLZ

BLZ
BYE
ATE

Um caminhão, sem a menor cerimônia aproxima-se e dispara: DRI

Paro para refletir. É comigo? Respondo mentalmente e traço as regras. Se o caminhão der seta para a direita, quer mesmo falar comigo. Se der seta para a esquerda, quer falar com a Adriana do Celta ao lado. Se não fizer nada, abandono a idéia de escrever este texto.

Seta para a esquerda. O que podia esperar de um caminhão? Quer é falar com a mocinha.

Fico pouco segundos isolado. Uma Belina vinho logo entra na minha frente: SEI. Penso comigo, “sei o quê?”. Olho para o lado onde um Passat estacionado complementa: EVC. “Eu não, de quem vocês estão falando?”. ANA responde o ônibus. “Como você sabe que estou atrasado para minha reunião com ela?”. PRI revela um Golzinho. “Ah, ela deve ter ligado avisando. Ok, valeu gente”.

Melhor acelerar. Preciso sair dessa avenida. Será que essa ruinha é contramão? VEM. Decido seguir esse Corolla. BOA, elogia um carro prateado que não consigo identificar a marca. Aliás, como tem carro prata na cidade, não? Acho que só tem uma coisa em maior quantidade do que carro dessa cor, mães de viseira na praia.

SIM. Uma caminhonete confirma minha teoria.
NÃO. Polemiza uma moto em alta velocidade que quase arranca o meu retrovisor.

Por que você acha que aposentaram aquelas adoráveis plaquinhas amarelas de apenas duas letras? É minha gente. O troço é sério. Não estranhe se daqui a alguns anos as placas tiverem quatro, cinco, seis letras. Daí pra ter um talk show na TV, não falta muito.

OOH. Anima-se um Peugeot.

Decido me concentrar no caminho e consigo recuperar algum tempo.
AEE. Elogia uma Saveiro.

Desligo o carro, jogo a chave na mão do manobrista que só tem tempo de perguntar.

- Patrão, qual é o começo da placa?
-FUI.