Tuesday, November 30, 2010

TENHA FILHOS, ESCREVA UM LIVRO E BATIZE UM CACHORRO.

Posso dizer que esperei uma vida, mas valeu a pena. Depois de longas negociações que se arrastavam desde a infância, enfim, um cachorro entrou pra família.

- Mas vai subir nos sofás.
- E daí?
- E se fizer xixi nos móveis?
- A gente limpa.
- Mas pode grudar na perna das visitas.
- É só jogar água.
- E se depois de grande quiser procurar seus direitos ou ir na Marcia?
- Ah, tá mãe. Desencana. Ficamos só com o vovô.

Na família, tudo sempre foi empecilho para a posse de um cão. Desde o carpete, até a numerologia, a mesma que tirou o “de” da Sandra Sá.

Pois é. O tempo passou e as coisas mudaram. Agora, cães, peixes ornamentais e membros do fã clube do Almir Sater são muito bem-vindos em casa.

Hoje, posso dizer com propriedade que nada se compara a compra de um cachorro. Filhotes são poderosos, mais até do que a numeróloga da Sandra. No grande feirão da adoção vale tudo para melhorar de vida: um olhar, uma arranhada na grade, até mesmo necessidades feitas de improviso no jornal.

- Relaxa, Pitu. Conheço gente chapa quente que te arruma um pedigree frio rapidinho.
- Não tem caô?
- Nada.
- E se precisar de visto pros states?
- Visto eu não garanto, mas um dono de Governador Valadares, fica bem mais fácil.

Escolhido, comprado e já a caminho de casa, chega o grande momento dono-filhote. O batismo. Quem nunca deu nome a um cachorro ou a uma operação especial da polícia federal, devia fazer uma vez na vida.

Scheik, Pingo, Vareta. Pança, Zigue, Filó. Peruca, Joaquim, Samba.

- Mas eu quero Filé, mãe.
- Mas esse é muito básico, Creedence, meu filho.
- Eu sei... mas ele merece sorte melhor que a minha.

O processo consiste em, olhos nos olhos, pronunciar todos os nomes que a sua criatividade permitir. Tão logo o bichinho abane o rabo e faça um sinal de positivo ao tabelião ali presente, estará oficialmente batizado.

Quem não tem, só posso deixar meus sentimentos. Cachorro é um santo remédio no combate ao stress, ao mal humor, a osteoporose e a 10 doenças bucais.

Se a Som Livre lançasse um CD reunindo “os melhores sons caninos”, estourava de vender. Além de latido, espirro e rosnado, destaco as lambidas compassadas na tigela de água (dá sede só de imaginar) e o incomparável barulho de unhas datilografando o assoalho ao correr e brecar, tipo adolescente no Messenger.

E as deliciosas espreguiçadas que dão? Praticamente uma aula de ioga.

Cachorro é família, mais até do que os primos de Anápolis que só aparecem em casamento e enterro, sendo que o cachorro não vai exigir nada na hora da partilha, muito menos chiar por não ter sido convidado a opinar na cor da fita do bem-casado.

E mesmo que ele não te adicione no Facebook, não te siga no Twitter, e não deixe testemunhal no seu Orkut, vai ser sempre, por merecimento, o melhor amigo do homem. Já da numerologia...

- Ai, Sandra, não sei. Segundo os números, “x” no final é complicado.
- Mas, querida, não dá pra chamar de Rex sem o “x”.
- Bom, você que sabe. Depois não reclama se o trabalho novo encalhar.

Tuesday, November 16, 2010

O MUNDO É DOS PELADOS.

Todo homem, enquanto menino, sonha ansiosamente com o dia em que os primeiros pêlos aparecerão em seu corpo juvenil. Mente quem diz o contrário.

Pêlos em abundância significam masculinidade, tônus, pujança, equilíbrio, fartura, virilidade, e poder, entre outras coisas.

Na minha pré-adolescência, pernas cabeludas eram tão desejadas quanto fortuna, Luciana Vendramini e o Escort XR3 conversível.

Bastava eles começarem a aparecer, e tudo mudava.

- Passa a chave, coroa.
- Mas, Lukinha, você só tem 11 anos.
- Mas muitos corações para conquistar.
- E aquele papo de seguir seminário?
- Perdeu o sentido quando o gato do Frei Altamir saiu.

Braços, pernas e rosto – nos planos pré. Peito, nuca e pálpebras – nos planos pós. A ordem de nascimento varia de homem pra homem, mas quando começa, nada pode detê-lo, nem mesmo a Tiazinha que a essa altura já virou Tiazona e se arrepende amargamente de não ter feito previdência.

- Mas mãe, todos os meninos da classe já rasparam.
- Mas você é diferente.
- Pois é. Por isso tô sofrendo bullying.

O bigodinho de office-boy marcou geração. Lembro da minha mãe proibindo meu irmão de raspar o buço para que não engrossasse. Resultado: registros fotográficos constrangedores guardados nas gavetas de cerejeira da sala.

- Ai Cacau, vai com o Dudu. Ele é herdeiro da Sulfabril.
- Mas o Rafinha já tem pelinho lá embaixo.
- Como você sabe.
- Acabou de twittar.
- Que fooofooo!!!

O nascimento dos pêlos na região pélvica, ex-Iugoslávia, pode ser considerado o “virou mocinha” dos meninos. É o Autoconfiança Day que vira Achincalhação Day no primeiro simpósio dominical da família.

- Gente, gente, gente. Um minuto da atenção, por favor! É com imenso orgulho que anuncio que o anjo da puberdade visitou a virilha do nosso Juninho soprando esperança e fiozinhos dourados por lá.

Uns pedem pra ver. Outros, pra nunca mais serem convidados. Tia Silvia busca o pudim. Tio Cassiano junta a velha guarda e planeja uma visita ao cabaré.

Quando a festa do nascimento capilar chega ao sovaco, o ritual é outro. E dá-lhe camiseta regata e braço para cima no busão, mesmo quando se está sentado.

- Ô moleque. Baixa esse braço.
- Eu? Por quê?
- Porque ninguém é obrigado a ver de perto esse jogo de futsal.
- Jogo de futsal?
- É, cinco pra cada lado.
E todos riem gostoso no coletivo, todo fechado, e cheio de vapores, enquanto chove lá fora.

Por fim, mas não menos importante, a região peitoral. Pêlos no tórax mostram definitivamente que o Toni virou Ramos. É hora de caçar, abater e procriar.

Mas, como tudo na vida, até isso está mudando. Peludos e sapatos de camurça não são mais bem vindos. Humberto Martins, ícone da categoria, está virando artigo de museu.

Vivemos a cultura do “pêlos, por que tê-los?”. E, cada vez mais, nosso elo ancestral com o homo-sapiens dá lugar ao elo com o homo-lisinhos-franjadus-golaV-coloridus.

Mesmo assim, se você, assim como eu, não se enquadra no novo modelo de beleza nacional, tudo bem. Com a economia de gilete, Veet cera fria e tosa higiênica, dá pra voltar a sonha com o Escort XR3 conversível.