Thursday, March 30, 2006

MEU AMIGO BLASKO.

Eu tenho um amigo blasko. Ele é bruto, rústico e truculento, como tem que ser. Por trás de um semblante aparentemente hostil, esconde um ser puro e gentil.

Um blasko já nasce sabendo um pouquinho de tudo: moda, esporte, fofoca, política, que o urso é o número 23 do jogo do bicho, internet, cotação do dólar, macetes da pesca no pantanal, música, confecção de merengue, linguajar dos presídios, videogame, hino completo de nove países, técnicas de sobrevivência nas savanas, novelas, atualidades, regras oficiais da briga de galo e endereço de estabelecimentos que ninguém sabe, como cemitério de azulejos.

Está em sua índole esconder-se atrás de um mau humor peculiar para que nunca puxemos papo. Um blasko de verdade sempre entra numa conversa e não o contrário. E quando entra é para não sair mais.

Outra característica importante, remete a seus ancestrais da idade da pedra polida e diz respeito à imobilidade. Em outras palavras, os blaskos são seres que, mesmo desprevenidos, não podem ser deslocados, nem quando submetidos a choques com outros corpos em velocidade.

Graças a uma estrutura compacta, camada reforçada de derme, três níveis de amianto e uma película jateada de celulose, seu centro de gravidade tende a uma angulação oblíqua, quase obtusa. Confesso que nem eu entendi essa parte.

Na frente de todos, roupas escuras, estilo metaleiro dos anos oitenta, barba densa, porém cirurgicamente desenhada e cabelo desgrenhado. Em casa, pantufas de bichinhos e camisetões de temas Disney.

Alimentam-se de toda e qualquer substância passível de mastigação. Não comem de boca aberta. Não são gordos, mas não possuem definições. Seu corpo é dividido em formas geométricas apenas reproduzíveis em sofisticados softwares 3D, como aquele que fez a tartaruga da Brahma.

Um blasko não pode ser comprado. Se tentarem transformá-lo num artefato de pelúcia, certamente será o segundo maior fenômeno de vendagens, perdendo apenas para o urso branco “eu te amo” da Lionella.

Só quem é um, ou possui um amigo assim, sabe como é. Nunca o vimos sair do sério por completo, mas ficamos sonhando com o dia em que isso vai acontecer. Na minha cabeça, imagino uma invasão épica com efeitos especiais de seriados japoneses. O blasko gigante aparece destruindo prédios e usando fios de alta tensão como fio dental.

Como detê-lo? Cócegas. Há uma lenda na qual uma aldeia blasko foi dizimada por comediantes e repentistas mal intencionadas. Não há provas. Certo é, o riso age diretamente no hipotálamo destas criaturas paralisando seus corpos por completo. Apenas a cabeça fica livre se movendo para trás e para frente, tentando em vão, fugir do transe de humor.

Por fim, arrisco dizer que não se perde a amizade de um blasko. Se isso acontecer é porque você nunca a teve em sua totalidade, ou cometeu o erro de revelar para o mundo através de um texto o segredo de um deles.

Tuesday, March 21, 2006

NO BARBEIRO.

Depois de uma prolongada ausência, longe da tesoura, cultivando um quiosque capilar, resolvi me render ao banho e tosa. Fui ao salão de sempre e máquina no penacho.

Cortar o cabelo é um evento daqueles místicos onde você ingressa num mundo à parte por cerca de meia hora. Uma espécie de maçonaria com sons e fisionomias conhecidas. A TV transmite o futebol italiano, revistas variadas com as capas rasgadas repousam sobre uma bancada, não respeitando cronologia alguma, exceção feita a Playboy, sempre na última edição.

A decisão pelo corte segue a lei dos dez, quando estabelecemos uma data importante no calendário e então encaramos as tesouras com dez dias de antecedência.

Fato é: o corte nunca fica bom no dia. Você demora até se acostumar com a cara de pilão de caipirinha que fica assim que sai do salão, ainda com marcas evidentes de talco no pescoço.

Antes de ser atendido, um cumprimento cordial arqueando a sobrancelha mostra um respeito silencioso para com os outros que estiverem na espera.

Seu nome é chamado. É hora de desfrutar o conforto incomparável de uma cadeira que te abraça, não dando opção de fuga. Assim que o avental é amarrado ao pescoço, não há mais volta. Muitas vezes, o cabelo que parecia não ter solução, se mostra mais belo frente ao espelho do salão. Não sei o que acontece. Já pensei muitas vezes em desistir do corte. Em vão.

O tempo é curto para a explicação. Uma instrução mal passada pode levar a uma catástrofe, bem no meio do redemoinho.

Máquina só nas laterais. Desfia a franja. Máquina em tudo. Corte a tesoura. Só navalha. Barba e cabelo. Os cortes que você vê nos seus amigos, na maioria das vezes não combinam em você, não adianta inventar.

Junto com o serviço, tem início o típico bate-papo com o sujeito que maneja as lâminas logo atrás da sua orelha. Política, religião, futebol, mulher, piada, família, loteria. Melhor concordar com ele.

Momento tenso: altura da costeleta e pezinho. É impossível sair de lá com a simetria das costeletas perfeita. Já o pezinho pode representar o êxito ou um retorno precoce ao salão na semana seguinte.

Um espelho quadrado é posicionado atrás de você para que seja possível a apreciação do trabalho. Um sinal de afirmativo com a cabeça é o suficiente. Obviamente você não está satisfeito com o serviço.

O gran finale é a lavagem na água morna com a cabeça apoiada naquele troço, meio pia, meio poltrona do papai. O cheiro de Colorama segredo das algas permanece no couro por no mínimo dois dias.

Enquanto você procura o dinheiro na carteira, um espanador de plástico com talco vem de encontro ao seu rosto. Parece o fim, mas é apenas o começo. É hora da primeira aparição pública pós-cortem: “Foi no 3 irmãos? Um corta, e dois seguram?”; “Onde é o endereço do pomba?”; “Quem fez essa covardia com você?”. E por aí vai. As piadinhas duram até a meia noite do nono dia.

No décimo, um misto de satisfação e orgulho. Agora é cuidar do penteado. Lembre-se de lavar e secar com carinho. Não presta dormir com o cabelo molhado.

Thursday, March 16, 2006

NÃO MUDA EM NADA.

Essa semana, enquanto curtia o show de uma ótima banda de Olinda num barzinho, ouvi um cara falando algo, na verdade, pedindo algo, que me fez pensar em escrever o texto de hoje.

O cara, na casa dos trinta e muitos, era daqueles que usa camiseta com estampas coloridas e descoladas, calça jeans estonada, mas que entrega a idade no erro da meia branca e do mocassim de franjinha na frente.

Entre uma dancinha contida e uma jogada de mãos para o alto, ele entornava cervejas sem miséria. Num de seus pedidos, barrou a passagem do garçom projetando o quadril para a frente como se quisesse tirá-lo para um arrasta pé.

- Opa, mais uma breja.
- Tá na mão.

Não satisfeito, retornou o pedido.

- Não, não, eu quero aqueeela.

Clóvis, como suponho que se chamava o garçom, deu uma mexida sem jeito na caçamba suada por fora, como se realmente soubesse onde estava escondida a bebida mais gelada.

Provavelmente pegou a mesma, e devolveu ao tiozão, que para completar a cena, agradeceu com o típico comprimento dos jovens: tapinha na mão, seguido de um soquinho. Francamente.

A questão é: muitas coisas que fazemos ou pedimos no dia a dia, não mudam em nada o que já estava traçado no destino. É perda de saliva, de tempo e de paciência.

Em outra situação muito comum, normalmente em restaurantes, cometemos o mesmo erro previsível. Ao pedir “capricha tá” estamos assinando nosso atestado de óbito estomacal.

O que se segue é o seguinte: garçom sorri e dispara o técnico “pois não”, anota um garrancho qualquer naquele bloquinho sem pauta, anda meio que desfilando até a cozinha, que tem a porta com dobradiças iguais às do velho oeste. Em tom de deboche provoca o cozinheiro, os dois caem na risada e remedam a voz do cliente, tratado como palerma: “capricha, tá”. Visite nossa cozinha? Um convite ao flagrante.

Embalados pelo puts-puts das danceterias, nos debruçamos no balcão do bar pedindo um chorinho na dose. Até parece. A não ser que você tenha ganhado no jogo do bicho e tenha dado aquela turbinada em cima, nada de chorinho. O máximo que pode ganhar é um copo limpo, sem marca de batom ou gosto de gordura de picanha na borda.

“Opa, pede pra dar uma agilizada que eu estou com um pouquinho de pressa”. Essa frase faz mais gente rir do que a imagem de um político com cílios cumpridos andando de monociclo sobre uma pista de gel. Admita. Nada do que você diga ou faça pode fazer com que a velocidade do pedido ou do atendimento seja alterada.

O que podemos fazer? Não faço a menor idéia. Parar é mais difícil do que largar o vício de apertar todos os botões do elevador antes de descer. Isso faz parte da vida. O jeito é evitar frases inúteis ou entrar de uma vez por todas para o time do mocassim com franja.

Thursday, March 09, 2006

CHEIROS, AROMAS E FRAGRÂNCIAS.

Não sei vocês, mas eu reparo muito em cheiros. Sei lá se esse é um dos meus sentidos mais aguçados.

Gosto dos cheiros por gostar. Sem aquele lance de “ai, sou super sensitivo”. Também não fico associando o aroma a coisas do passado como os tempos de jardim ou do governo Jânio.

Cheiro de refogado por exemplo. Nossa. É imbatível. Quase tive que escrever um palavrão para expressar o quanto gosto do incomparável aroma da manteiga dourando a cebola e o alho. Sempre enfio uma colher de sobremesa na panela para ver se está bom de sal. O gosto não é igual ao do cheiro. Essa é a graça.

Saindo de casa, passo no posto. Ah, a doce gasolina. Se pudesse teria uma bomba na sala de estar da minha casa. Não dá pra explicar. Mesmo resfriado consigo senti-lo. Como meu currículo foi recusado pela Esso quatro vezes, me contendo com as visitas quinzenais.

Muitos gostam do cheiro de tinta fresca. Eu acho uma porcaria. Bom mesmo é cheiro de lápis de cor, daqueles que vem em caixas de 3 gavetas com 36 cores, ou aquela versão mais boy em caixa de alumínio com araras e balões sobrevoando os Alpes, estampadas.

Outro cheiro que em nada me atrai é o de carro novo. Pra falar a verdade me dá até um certo enjôo. Prefiro a fragrância química borrifada naquele trocinho que o povo do lava rápido pendura no retrovisor ou na alavanca da seta.

E aquele cheiro de fossa? Ou seria o de grama molhada? Sei lá. Você sabe do que eu estou falando. É sentir este cheiro para não ter vontade de fazer mais nada em vida. Apenas fecha os olhos e me imagino na minha futura cadeira de balanço, esperando a comadre trazer o café da tarde, que por sinal, é outro que se destaca neste meio.

Odor. Veio algo bom a sua mente? Claro que não. Odor geralmente é de nuca suada, roupa molhada, enxofre, aparelho móvel recém tirado da boca.

E já que falei em boca, trago a seguir um cheiro que merece destaque, não pela qualidade, mas sim pela hipnose que nos conduz ao erro. Logo após retirar o fio dental entre o segundo e o terceiro molar, e ver que um fiapo de carne, do tamanho de um filhote de canário, se encontra preso, instintivamente damos uma cheirada. Nhááá. Bem nojento, mas impossível ignorar. É viciante.

Para compensar temos o cheiro daqueles sabonetes com formatos diferenciados que, geralmente, ficam em lavabos. Pode ver. Todo sabonete em forma de cisne, flor, mini carrinho do corpo de bombeiros, tem um perfume peculiar. É difícil de fazer espuma, mas o cheiro que fica na mão instiga a ficarmos cheirando ela de minuto em minuto. Se pudesse mordia um deles. Pra falar a verdade, já mordi um que tinha o formato de um casal de velhinhos. Até hoje, solto minúsculas bolinhas de sabão quando pisco.

Não podia terminar o texto sem falar de um cheiro que tenta ingressar neste cobiçado filão, mas que na verdade não passa de uma fraude. Estou falando do cheiro-verde. Qual é a dele?

Tenho certeza que você também repara nos cheiros. O que não sei é se você é uma pessoa sensitiva. Se for, vá lavar as mãos quando terminar de ler o jornal. Seus dedos devem estar meio escuros nas pontas e com cheiro de tinta.

Monday, March 06, 2006

8 DE MARÇO.

É sempre muito difícil escrever sobre o que a gente ama, ou para quem a gente ama. As palavras acabam soando redundantes, fica difícil escolher a combinação certa de adjetivos, e por mais que você se convença de que não dá para melhorar, você ainda fica insatisfeito, apreensivo, esperando a lágrima de emoção, a resposta por e-mail, o sms no celular, o beijo, um sinal de fumaça em formato de cupido disparando sua flecha. Sim, isso foi bem brega.

Não há quem não goste de ler algo escrito sobre si mesmo. Falem bem ou falem mal, mas falem de mim. E já que o dia 8 é o dia internacional da mulher, mais do que dizer “parabéns pelo dia de hoje, porque os outros 364 são nossos” escreva.

Pegue aí uma caneta azul e arranque uma folha de caderno. Pode deixar as rebarbas, isso mostra um descaso proposital, que você não tem apego à forma e sim ao conteúdo. Todas suspiram em uníssono “ai que fofo”.

A partir daí, a única regra que existe é sair desenhando letras, sem medo de errar ou exagerar. Geralmente, o primeiro esboço que fazemos é o mais próximo do que será o texto final.

Nada de parabenizar pelas conquistas na vida cotidiana, a igualdade política e social, os direitos trabalhistas. Deixe que isso o Bonner fala antes de soltar o seu agradável “boa noite”.

Mulher sabe o que quer escutar, e você sabe o que deve dizer, só não sabe como fazer. Ou sabe e quer pagar uma de coronel, daqueles que tem tudo no cabresto.

A disputa homem-mulher é saudável, mas, ao menos nesse dia, deixe o orgulho de lado, seja esperto. Se o horóscopo não te deu a dica, eu dou: hoje é uma excelente ocasião para se aproximar daquela gatinha do escritório que você não tem muita intimidade, da mina da carteira ao lado, da professora coroa de inglês que te ensinou com tanto carinho a pronunciar as palavras com a lingüinha entre os dentes.

Se você não gosta de escrever, compre flores. Se não sabe qual escolher, vá de chocolate. Está sem grana? Mate uma barata.

Por mais que você não admita, você trabalha, malha, muda o penteado, escolhe um óculos escuro diferente, passa gel, usa jeans desfiado, lava o carro, estufa o peito na praia, encolhe a barriga na balada, masca chiclete depois de virar uma tequila, tudo por um único propósito: deixar a tal sujeita do sexo frágil feliz.

Frágeis mesmo somos nós que temos que fazer absolutamente tudo isso, além de ficar com inveja por não ter um dia internacional no calendário, exceção feita ao dia da criança.

Como já disse, é muito difícil escrever sobre quem a gente ama. Por isso mesmo dei toda essa volta. Se um dia puder matar uma barata para uma de vocês, saibam que será uma grande honra. Feliz dia da mulher.