Thursday, November 30, 2006

EU ASSOVIO PRA DENTRO.

Sofro desde a infância com uma deficiência motora da ordem dos assovios. É complicado.

Enquanto grande maioria das pessoas assovia para fora, eu assovio para dentro. Essa manobra não me credencia potência sonora, o que me angustia e me diferencia dos outros machos da espécie. Não que isso seja decisivo em momentos de acasalamento ou que deva constar na lápide: “Aqui jaz mais um que assoviava para dentro. Coitado.”

Tem coisa pior do que tentar chamar alguém que esteja distante com aquela técnica de colocar dois dedos nos cantos da boca e assoprar, e não conseguir? “Mas é só enrolar a língua, assim ó”.

De verdade. Eu não confiaria numa pessoa que consegue formar uma canoinha com a língua. Sei lá. Algo me preocupa nisso.

Sempre que tento atingir a excelência no estampido agudo, apenas o que consigo é acumular saliva desnecessariamente nos meus dedos, uma prática inútil e bastante molhada. Os dedos, meio sem jeito, acabam encabulados se enxugando na barra da camiseta.

Pessoas observam com pena. “Puxa vida, sadio, mas não sabe assoviar”.

Já vi crianças que não possuem nem o tamanho mínimo para dirigir carrinhos de bate-bate de parquinhos produzindo o som, e eu, bem, eu continuo minha jornada.

“A técnica do assovio contemporâneo”, com o professor Francisco Madeira. Tava lá, colado logo ao lado do “compro ouro”. Prefiro gastar meu dinheiro com remédios vencidos. Chegam a custar 10% do preço sugerido.

Engole um canário. Bebe água de cachoeira. Morde a nuca de um tenor. Soluções não faltam, mas coragem e tempo para executá-las também não.

Li num jornal de distribuição gratuita a respeito de uma cirurgia intravenosa de inclusão de uma pequena esfera plástica entre a laringe e a glote. Aliás, que nominho hein, glote. O processo segue as mesmas técnicas utilizadas na confecção daqueles apitos que possuem um passarinho em cima.

Há ainda a escola que defende a substituição das cordas vocais por cordas de aço ou náilon, como nos violões. Mas o pós-operatório pontuado por músicas do Renato Russo e do Djavan andou desanimando grande parcela dos pacientes voluntários.

Por ora fico aqui, assoviando para dentro. Forçando uma inútil tentativa de fazê-lo para fora. Vou morrer sem ao menos ter conseguido em vida reproduzir o comecinho daquela famosa música do Guns.

E quanto a assoviar e chupar cana? Impossível. É como ir ao banco e tentar abrir uma caixinha Tetra Pack de leite ao mesmo tempo, ou falar o nome dos 3 países bálticos enquanto se move o cavalo no tabuleiro de xadrez. O cavalo deve sempre se mover em “L”.

De verdade, a única vez em que o assovio esteve ao meu lado foi quando, ao encontrar o cantor e compositor Toquinho, no hall do elevador de um prédio comercial, cantarolei sua grande obra-prima “numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo...”. Ele sorriu amistosamente, aprovando a qualidade de meu sopro. Ao deixar o elevador, cruzei com uma bela dona na rua. Esbocei um assovio galanteador. O primeiro “fiu” ecoou alto, digno, imperativo. Já o segundo, bem, o segundo saiu para dentro, arrancando risos da mocinha que, como resposta, enrolou a língua, bem ao estilo canoinha. Definitivamente não era para o meu bico.