Monday, November 24, 2008

VISÃO ALÉM DO ALCANCE.

Na vida, nem eu, nem você estamos livres do oculista, ou do pessoal do telemarketing.

Mais ano menos ano você acaba passando lá. Um desfoquezinho aqui, uma letrinha miúda lá na lousa, uma plaquinha de rua sem saída. Pra perto, pra longe, pra meia distância e sem querer você descobre que côncavo e convexo não é apenas nome de motel.

A minha história no oculista, ou oftalmologista – como preferem – começou há mais ou menos dez anos, o que significa que cheguei a pegar revista Manchete em sala de espera.

Óculos já usei de tudo quanto é tipo, menos com armação de tartaruga. Lentes de contato então, meu Deus. O indicador da minha mão direita é mais íntimo das córneas do que o Galvão é do Shumi ou do Zizu.

- Consegue ler a linha de cima?
(com voz de mongo) - H, Q, E, O, H. Não, não... A.
- Assim melhora ou piora?
(ainda mais mongo) - Ééé... ééé... ééé... posso ver a anterior?

Duvido que nessa hora alguém saiba responder com precisão. Eu mesmo morro de medo de decepcionar o doutor e acabo decidindo aleatoriamente, mesmo sabendo que o grau possa não ficar o ideal.

Tanto tempo de consultório deixa marcas profundas na gente. Levarei sempre comigo a doce imagem do balãozinho voando e da solitária arvorezinha perdida em meio ao cerrado enquanto o foco da máquina se ajusta ao olho. Já nem sei mais se a árvore é de verdade ou se todos nós temos uma dessas bem lá no fundo do cristalino, assim como todo caminhoneiro tem a frase “não olha morena que eu gamo”.

- E agora? Melhor ou pior?
- Ah, bem melhor!
- Então, leia por favor a terceira linha.
- Você tá duvidando da minha palavra?

Uma coisa que me constrange é a proximidade, olhos nos olhos, com o doutor. Consultório à meia luz, queixinho apoiado na espuma e um homem de C.R.M. sensual há poucos centímetros de fazer o seu astigmatismo precisar de psicólogo.

Tem também aquele exame do “soprinho” onde um jato de ar é disparado em cada uma das suas córneas, totalmente de surpresa. Você fica todo tenso tentando prever o momento exato em que o gatilho será puxado e, quando baixa a guarda, ele vem. É certo que uma câmera escondida grava todas as reações e a fita é exibida durante os congressos oftalmológicos, para alegria dos doutores.

- A 1 ou a 2?
- Ah, escolhe você, doutor.
- Não, escolhe você.
- Ai, eu não consigo. (risos)
- Então você tem glaucoma.

Só quem já teve a pupila dilatada sabe do que eu vou falar a seguir. Duas gotas que mudam a sua percepção de mundo em segundos. É o passaporte imediato para a maçonaria da visão além do alcance. Algumas pupilas ficam tão grandes que chegam a questionar os ensinamentos do Senhor Reitor. (me desculpe).

Vista cansada? Só se for das porcarias que a gente anda vendo na TV aberta. Não lembro onde li que uma clínica em Salvador estava para lançar lentes de contato com o desenho de pequenas redes presas a coqueiros.

E depois de quase me tornar PhD no assunto, criei coragem, na verdade mais ou menos, para fazer a tal cirurgia refrativa. Com isso, pretendo me livrar por algum tempo das consultas ao oculista. Já do pessoal do telemarketing, só passando em consulta com um otorrino. Até que não seria má idéia.