Wednesday, September 27, 2006

CARRINHO DE COMPRAS. A NOVA NOVELA DAS SEIS.

Todo mundo repara no carrinho de compras dos outros.

Num papo com uma grande amiga descobrimos algumas informações importantes sobre como o ato de pegar caixas, pacotes, latas, vidros e animais de respiração cutânea em prateleiras pode dizer muito sobre a vida das pessoas.

Em outras palavras, ao circular por um supermercado, tenha modos. Você está sendo observado, e não é apenas pelas câmeras internas de segurança. O perigo está no carrinho ao lado, no que te fecha no corredor dos amaciantes, no que te pressiona na fila do caixa de 10 volumes.

Caixa de 10 volumes. Aqui o que se vê é o festival do oito ou oitenta. De um lado, pessoas passando com apenas uma garrafa de detergente, de outro, ratos de gôndola excedendo “apenas em alguns itens”. A mãe, líder da quadrilha, distrai a caixa com seu papinho de matriarca consumista. Pergunta o porquê de a embalagem ter diminuído e o preço aumentado, enquanto o caçula traz biscoitos, chocolates e salgadinhos em seus vôos solos e o pai despeja dezenas de sacos com legumes fresquinhos, colhidos na hora, segundo o funcionário Odair, com sua redinha de cabelo. Daí, até recontar tudo o que está na esteira, a fila da praticidade já chegou nos laticínios. Nossa, como é frio esse lugar.

A vida acontece nos corredores de supermercado. Sonho em conhecer a mulher da minha vida durante as compras, e acredito estar no caminho certo. Certa vez, consegui o telefone de uma dessas promotoras que oferecem novidades. Seus dados foram anotados no verso de uma torrada com geléia de damasco. Estava uma delícia.

Amostras grátis revelam a vulnerabilidade do ser humano a coisas dadas. “Não aceite nada de estranhos”. Tá bom. Sem nem saber o número do seguro saúde da promotora, já saímos mandando pra dentro iogurtes, patês, pomadas cicatrizantes, biscoitinhos que não são fritos, mas sim assados. Legiões almoçam amostras grátis, e eu me incluo na conta.

Ver e ser visto. Nessa dança do acasalamento pós-moderna, itens escolhidos a dedo podem elevar seu status social em segundos. Depois, é só devolver tudo nos respectivos lugares, ou fazer o mais fácil e largar na boca do caixa.

- É, acho que ainda tem bastante carpaccio de novilho na dispensa.

Um casal apaixonado desfila com aquelas cestinhas de ferro, escolhendo seus produtos. Eu falei apaixonados? Pura fachada. O excesso de latas de atum mostra falta de criatividade. A única carne presente é moída, o que facilita o preparo, eliminando a necessidade do “morzão” e da “morzona” passarem tempo desnecessário na cozinha. Além disso, a ausência de uma bisnaga de mostarda prova o quão sem sabor anda a relação.

Outro casal. Os dois são homens e estão bem vestidos e barbeados. Andam coladinhos. Um vinho caríssimo, latas importadas de tomate sem pele, bandeja de funghi seco, massa verde, salmão fresco, pão italiano quentinho, 3 metros de corda. Jantarzinho romântico, entre ótimos amigos? Errado. O que nem as câmeras de segurança detectaram foi que o rapaz da frente estava amordaçado, sendo obrigado a sorrir enquanto o seqüestrador planejava forrar a pança com a primeira parcela do resgate.

No caixa ao lado, uma pessoa, digamos, de ossos grandes, rola na esteira um caminhão de produtos dietéticos: geléias, queijo branco, refrigerantes, folheados, pães, tudo. Acho que alguém quer entrar em forma. Então porque a barra industrial de chocolate está escondida em meio a três hectares de alface?

Tem cartão mais? Não, só o cartão menos. Bom Deus. Prefiro não dizer o que piadinhas na hora de pagar revelam.

Ao embalar, o número de saquinhos extra que você pegar pode deixar bem claro que você anda trocando muitas vezes o lixinho do lavabo de casa.

No supermercado você está sempre sendo observado. Por isso, não tenha vergonha de observar, numa dessas, você também ganha uma torradinha com telefone, ou reúne material suficiente para rir com um amigo que repara nas mesmas coisas bestas que você, né Ju?

Wednesday, September 20, 2006

FIM DE SEMANA PERSONALIZÁVEL.

Depois de uma seqüência desanimadora de fins de semana com tempo ruim, decidi escrever sobre o tema.

Cansei. Passei dias me bronzeando só de um lado no trânsito, como um hambúrguer tostando enquanto o chapeiro contribui por telefone para o Criança Esperança.

Oba, mas sabadão tá aí. Grande dia para estrear a sunga nova (em tempo: eu sempre usei maiô, mas os tempos mudaram e digamos que não tenho feito muitos amigos usando essa palavra).

Frio, chuva de granizo, tempestade tropical, correntes de massa polar, migração do falcão austral, fenômeno Calypso. Sempre tem alguma surpresa imprevisível para atrapalhar. Quando você teve um ótimo fim de semana?

Eu não me lembro. Filmes repetidos. Comida chinesa, metade arroz metade frango, programas de calouro à tarde. Sim, eu canto junto com eles. Sim, eu torço por eles. Sim, eu realmente acredito que eles um dia vão aceitar o dinheiro para nunca mais voltar.

Aí o sol ameaça sair. Todo mundo corre pra rua como louco. Dedo no olho, soco no baço, rasteira em saci. Sacanagem. Nunca se esqueça de que lá em cima, do outro lado das nuvens, o sol nunca deixa de brilhar. Pro inferno com a auto-ajuda. Se eu precisasse dela, com certeza não me consultaria.

Está na hora de algum político genial lançar um projeto de lei regulamentando o fim de semana personalizável. Ué, não tem quem se lance com imposto único?

Não sei como são os trâmites de aprovações de leis, mas imagino algo como um teatrinho de fantoches lá na frente, bem em cima daquela parte elevada onde fica o brasão da república. Olhos atentos. Alguém começa a falar. Um deputado sentando mais à frente manda um sonoro shhhhh. Começa a apresentação. Dez minutos de vozes caricatas acompanhadas de uma musiquinha composta apenas de refrão “mamãe, sai dessa cama, chegou a hora, fim de semana.... mamãe, sai dessa cama, chegou a hora, fim de semana”. Acho que daria para aprovar.

A lei teria um parágrafo único dizendo que todo e qualquer cidadão, incluindo os do Distrito Federal, que, não sei porque, imagino bem baixinhos, do tamanho de máquinas lava-louças, teriam o direito ao descanso semanal de dois dias, a escolher. Igualzinho no WAR quando você saia com a árdua tarefa de conquistar a Europa a Oceania e mais 3 territórios a sua escolha.

E você nem precisaria avisar nada. Os dias tirados deveriam apenas ser seqüenciais. Ou seja, nada de pegar segunda porque tá sol, e desencanar da terça porque no filme da Sessão da Tarde não terá nenhuma turminha do barulho aprontando as maiores confusões.

Isso não quer dizer que eu só optaria pelos dias ensolarados. Quem nunca acordou numa segunda-feira com chuva na persiana pensando em tirar o dia para procurar nomes engraçados na lista telefônica de Alagoas?

Pensem bem. Um mundo com finais de semana personalizáveis traria paz, até mesmo porque acabaria com o conceito pré-estabelecido de fins de semana. O mundo estaria eternamente de plantão. Você trabalha, seu vizinho descansa. Seu vizinho descansa, a secretária bilíngüe trabalha. A secretária bilíngüe descansa, sua tia Maria José trabalha, e assim por diante.

Diminui o trânsito, diminui a poluição, diminui a raiva coletiva do tema de abertura do Fantástico. Já pensou? Se você trabalhasse até tarde no domingo, nem saberia que o Bial estava de cáqui.

Foi dormir tarde na terça, fim de semana quarta e quinta. Acordou indisposto na quinta, só volta a trabalhar no sábado. Com isso, acabamos com o conceito de “fim” de semana. Ele torna-se algo como dobradinha do descanso aleatório. Dueto delícia. Duplinha maravilha. Sei lá.

Se mesmo assim as coisas não melhorarem, desisto. Melhor que isso. Ligo para algum dos nomes engraçados da lista de Alagoas, e peço asilo. Pelo menos lá, todo fim de semana tem sol.

Thursday, September 14, 2006

É SUÓR OU SUÔR?

A língua portuguesa é mesmo cheia de armadilhas traiçoeiras: “s” com som de “z”, “ch” com som de “x”, “y” com som de grito de enguia.

Segundo recente pesquisa encomendada por uma gigante dos dicionários, 37% das pessoas usam suor com o “o” aberto, suór; 34%, preferem com o “o” fechado, suôr, mas temem represálias e isolamento em festinhas com comes e bebes liberados. Votos brancos, nulos e pessoas que sofrem de uma doença degenerativa e que não transpiram, como aquelas lagartixas de borracha que você ganha em quermesse, somaram 29%, o que me deixa com bastante medo.

Pessoas que falam suôr têm mais chances de conseguir empregos esporádicos, mas tem menos chances de ganhar com o urso no jogo do bicho. Quem fala suór socializa-se com facilidade, mas evita o veludo, da mesma forma que porteiros da noite evitam xícaras de alças duplas.

Suôr, no Laos, significa “aquele que cultiva sentimentos”, enquanto no distrito de Ontário, Canadá, suór nada mais é do que a patente máxima da marinha. Quem tem razão? Tanto um como outro, e isso também é aplicado a nossa cruel e elitista sociedade gramatical.

Sapato de boliche, colarinho de popeline e bermuda ciclista (apenas as de cores cítricas): suôr. Meia hora de batizado, regatinha canelada e colete de jogar sinuca: suór.

Todos os que tentaram encontrar explicações para as diferenças fonéticas sumiram inexplicavelmente do mapa e, mais tarde, viraram figurinhas autocolantes em álbuns comercializados pela Panini. Pra mim faltam a 17 e a 364.

Suór é quando você dorme com camiseta de algodão, coberto até a linha da cintura no começo da primavera. Suôr é quando a camiseta é aflanelada, e o lençol é de seda estampada, daquelas que não pode passar com ferro convencional.

Edemilson (com “e” no meio), Laerte e Odete: suôr. Glorinha, Juca e Pepeu: suór.

Nesse exato momento sua mão, sua testa, suas costas, a dobrinha do pescoço, sua nuca estilo filhote de Sharpei, sua clavícula, ou sua anca devem estar transpirando. Suór ou suôr? Depende de onde você está. A maresia em contato com os líquidos expelidos pelo corpo forma suôr. Enquanto que em contato com chuva de papel picado na véspera do reveillon caracteriza suór.

Viagem de ônibus para Belém, com o titio Gonzaga contando suas aventuras da adolescência, suôr. Passeio de charrete, tomando picolé de limão com um casal de sapos sobre as coxas com o titio Miranda, suór.

É como se o mundo fosse dividido entre os que crêem na santa pronúncia do “o” aberto e os que adoram e glorificam a propagação do “o” fechado. Aliás, se você nem dava importância para esta vogal, saiba que ela é a segunda letra mais pedida em programas de adivinhar palavras, perdendo apenas para o invicto há nove temporadas, “a”.

Profissionais de RH já estão inclusive usando o tema como rigoroso critério de desempate entre candidatos.

De qualquer forma, não mude sua escolha, não vire a casaca. Fale do jeito que se sentir mais confortável. Nossa língua pode ser ardilosa e cheia de mandingas, mas você ainda é dono da sua própria língua. Agindo assim, você nunca se sentirá imerso numa poça de vergonha, ou seria pôça?

Tuesday, September 05, 2006

PERGUNTA SE A SUA AVÓ GOSTA DE ÍNDIO.

Índio brasileiro é muito folgado. Pode ver.

Todas as vezes que aparecem na TV estão dançando em grandes círculos, fazendo movimentos simplistas de mãos para cima e mãos para baixo.

Uma das grandes provas desta folga é a imensidão lingüística deles. Desceu da rede, andou mais de cinco passos, mudou a língua. Vai ver se nos Andes existe variação. É uma língua nativa e olhe lá. Não entendeu? Vai comprar a speak-up do mês e dormir ouvindo fita cassete.

Por que isso acontecia? Porque lá em cima, mesmo no ar rarefeito, eles andavam, desbravavam, iam atrás. Não esperavam sentadinhos com as pernas cruzadas umas sobre as outras por mantimentos da FUNAI.

A expressão sentar como índio é outra prova. Se eles fossem mais agilizados aprenderíamos a andar como índios, a correr como índios, a fazer polichinelos como índios e não a sentar como eles. Esse jeito estranho de sentar-se leva de 2 a 6 meses para ser ensinado no primário e a proposta principal é a de dificultar ao máximo a libertação das pernas, de forma que perca-se horas, muitas vezes dias para sair da incômoda posição.

Tudo bem que somos abençoados por uma terra onde tudo o que se planta dá, temos água por todos os lados, clima favorável, carnaval, caipirinha, até Deus é brasileiro, mas pera lá. Já que sobrou tanto tempo, porque não aproveitaram para criar coisas incríveis, descobrir curas, colorir nossa mata virgem com giz de cera? Ao invés disso, coreografaram de forma amadora danças de chuva e fogo.

A de fogo, para não ter que andar até a cozinha da oca e aquecer o frango recheado com creme de espinafre. A de chuva, para eliminar a necessidade de mangueira nos famosos concursos cacique camisa molhada. Francamente.

E os cortes de cabelo, quer algo mais acomodado? Cuia na cabeça, tesoura ladeando toda a circunferência e pronto. Pensaram em lançar moda, variar, fazer pezinho arredondado, ou luzes progressivas? Sim, luzes progressivas, as mesmas usadas em bailinhos de quinta série.

Já diria a vó de um amigo meu: “índio brasileiro nunca colocou uma pedra sobre a outra”. Certíssima. No Egito, pirâmides faraônicas, visíveis a mais de trinta quilômetros. Na Indonésia, templos colossais de mármore erguidos da noite para o dia. Até os apaches americanos envolviam-se nesse pegue-e-faça pré-colombiano com seus exuberantes totens. E no Brasil? Palafitas. Olha o nome. Pa-la-fi-ta. Conceitualmente, edificações erguidas sobre as águas. Visualmente, tendas boiando sobre córregos.

Bando de encosto.

Medo de represálias? Imagine. Você acha que eles vão se dar ao trabalho de vestir calça de sarja, pegar uma canoa lotada Xingu-Vila Brasilândia pra chegar de cocar suado na minha residência, e entrar num dilema verbal e gestual com o Mineiro, porteiro há mais de 15 anos?

- Adriano, o seu índio tá aqui em baixo.
- E?
- Tá dizendo que o senhor falou mal da gente dele.
- E?
- Diz que o prédio foi construído sobre cemitério de índio.
- E?
- Ele acabou de sentar.
- Ok, manda subir.

Caso ele decidisse subir, bastaria recebe-lo com o espelho bifocal que uso para fazer a costeleta, uma camisa do Flamengo e um shorts curtinho azul celeste. Pronto. Incidente resolvido.

Aliás, historicamente, todos os incidentes foram resolvidos na base do bate-papo, seguindo farta entrega de brindes como viseiras, artigos infláveis, camisas pólo jeans, etc. Bater boca, para eles, é produzir aquele som insuportável com a vogal “u” em mi menor e maior alternados.

Mim comer. Mim jogar. Mim ser Curumim.

E não é porque você tem uma camisa do Flamengo, senta-se daquele jeito estranho, pinta o corpo, dança pra ver água caindo do céu que não vou mais querer ser seu amigo. Mas se eu encontrar um CD do Sting na sua escrivaninha, ah meu amigo, aí mim virar bicho.