Tuesday, February 23, 2010

PROCURA-SE (HÁ MUITO TEMPO) APARTAMENTO.

Se você já tentou comprar, alugar ou arrendar uma casa, apartamento, quitinete ou afins, talvez concorde comigo.

Encontrar o imóvel dos sonhos é mais difícil do que achar o Geninho numa TV de tubo 14” PB após duas ou três taças de Malibu.

A busca começa na tentativa de decifrar os códigos dos classificados. 3d. 1s. 2b. 85au. Grandes oportunidades vêm camufladas por trás de sofisticadas siglas que mais parecem uma batalha naval imobiliária.

A diferença básica entre um anúncio de apartamento e um de massagem afrodisíaca é o número do CRECI que deve sempre acompanhar a oferta. Palavras como “oportunidade”, “ocasião” e “enxuta” costumam trazer valor ao classificado.

- Alô?
- Adriano?
- Sim.
- Aaaa-na-nias.

Os mais chegados sabem o quanto sofro nas mãos do corretor Ananias, um senhor de baixa estatura, pele bege escura, que se veste mal como um demônio, não tem carro próprio, e é dono de voz inconfundível. Pra completar, não encontra nada de útil e só liga em horário inapropriado.

- Adriano?
- Sim.
- Aaaa-na-nias.
- Tô num velório, Ananias, que saco. Encontrou algo?
- Não, saudade mesmo.

Aliás, corretor algum sabe a hora certa de ligar. Você liga na parte da manhã para obter informações e recebe o retorno semanas depois. O profissional imobiliário, todo íntimo, já te chama por apelidinho e jura de pés juntos que pelo seu perfil (da onde me conhece tanto?), tem uma jóia rara para apresentar. Sim, além do Ananias, sou servido por uma dúzia deles, todos com o mesmo ar vendedor irritante e a falsa intimidade construída via telefone.

Se você pede com 2 dormitórios, a busca traz com 4. Se o teto de valor é 250, surge um “a-cha-do” de 390. Piscina? Não tem, mas rola um belo espaço gourmet, coladinho na casa do zelador.

Itens como espaço gourmet só servem para comprovar que o seu apartamento será extremamente pequeno.

Na prática, as construtoras diminuem cada vez mais sua área útil, “tunando” o térreo com coisas que não caberiam no seu imóvel: lavanderia, ofurô, varal coletivo, brinquedoteca (vai guardar onde os brinquedos do Luquinhas num apê de 30 metros?), mini-floresta, arvorismo, fazendinha, banho turco, touro-mecânico, e por aí vai.

- Mas Ananias, eu não falei que varanda era um item indispensável?
- Sim, mas olha só que linda essa cor de carpete.
- Cadê a suíte?
- Bobagem. O que o pessoal anda fazendo muito é colocar banheiro químico no dormitório.
- Que pessoal? Que que você tá falando? Larga essa faca!

O dia de visitar as ofertas disponíveis é sempre um misto de sonho e decepção. A cabeça vai longe imaginando aquela grande oportunidade que, no papel, é a descrição exata do que você imagina, mas o que os olhos vêem...

- Sim, concordo que tá lindo. A localização é fantástica, a vista é de capotar, mas esse vulto na parede é meio complicado.
- Bobagem.
- Bobagem? Por que você não me contou essa história de o último proprietário ter se matado na cozinha?
- Ele não se matou. Foi morto por um dos conselheiros, o senhor Marinho, com a chave-inglesa.

E segue a busca pelo cantinho ideal. O importante é não desanimar, muito menos desistir. Mais hora, menos hora, encontro meu paraíso particular, aí, com certeza, me acabo no Malibu, na companhia do querido Ananias.

Monday, February 08, 2010

JÁ FUI ATROPELADO POR UMA MOCHILA DE RODINHAS.

Dane-se o seu pé. Nada pode atrasar um maldito workaholic de chegar ao seu destino e conectar sua máquina à rede elétrica.

Para esse tipo de ser humano, um notebook fora da energia é como uma picanha viajando fora do isopor, escondida ilegalmente com alguns imigrantes, no trem de pouso de uma aeronave rumo a Frankfurt.

Joanetes e calcanhares estão à beira de criarem um sindicato e marcharem para Brasília em busca de seus direitos. As mochilas de rodinhas estão se multiplicando e já podem ser consideras uma pandemia.

- Laís, você viu minha nova mochila de rodinhas?
- Nossa, é bárbara! Esse silk com a cara da Natália do Valle é um charme. Quanto custou?
- Nada, ganhei na “dança da cadeira premiada” da Kalunga.

“Já fui atropelado por uma mochila de rodinhas”. Se você é coxinha o bastante para colar um desses no seu mocassim, talvez tenha merecido o ocorrido. Mas, se odeia a colinha que os adesivos costumam deixar, como eu, talvez mereça todo o apoio do Estado num atropelamento corporativo desse porte.

Sinto falta de um órgão regulador, como o pâncreas (ô nome tesão!) capaz de frear o correr-corre das rodinhas do tipo gelatinoso. Como nas leis que regem a CNH, o sistema de pontuação deveria ser adotado.

Atropelamento no elevador, 3 pontos. Na aula de pilates, 5 pontos. Na primeira comunhão do Helinho, 7 pontos. Ao atingir 21, o infrator perderia o direito de arrastar o notebook por aí e o de usar o crachá da firma dentro do bolso na praça de alimentação.

- Assis, com 60 anos nas costas, você não se sente meio besta puxando esse carrinho por aí?
- Mas eu não tive escolha. Abri a porta de casa e lá estava ele, tão frágil, largado, repousando dentro de um bercinho de vime, junto ao pedido: “me leve trabalhar”.
- Sei, sei. E você já tomou o seu remédio hoje?
- Iiih, até você?

Quem gostou da idéia e retomou forte ao mercado foi uma gigante do nylon, a Risca. Quem nunca teve uma mochila dessa marca? O segundo bolso costumava ter espaço para lápis, agendas e grandes confusões (vergonha dessa parte).

E a Le Postiche? Decidiram até tirar a Suzy Rego do tanque de salmoura para comunicar as liquidações em rede nacional.

- Papai, aonde você vai com essa mochila de rodinhas.
- Vou me divertir a valer, filhão.
- Posso ir junto?
- Claro. Pegue sua melhor roupa de sarja infantil, o BlackBerry, e vamos viver!
- Obaaa!

O mundo está ficando chato, e perigoso. Segundo o pedicuro, Darcy dos Santos, da clínica “Meu pé de laranja lima”, o número de clientes triplicou. Segundo ele, os casos mais comuns são os de unhas quebradas, cutículas dilaceradas e até pequenas luxações. O número de pacientes pedindo o implante de mini-torres Eiffel no lugar dos dedos também aumentou, mas isso não tem nenhuma ligação com o resto.

Se você é um feliz proprietário dessas mochilas, na certa deve estar dado de ombros. Como em tudo na sua vida. Típico.

Pois saiba que, para todos vocês, imagino um final vergonhoso e desmoralizante: ouve-se uma forte freada, seguida de gritos. Alguém dispara: “mas eles são microscópicos, e estão vivos!”. Temos um clarão. Em seguida, a câmera mostra as rodinhas, envoltas numa solução bege, bem clarinha. Aos poucos o plano abre e podemos ver toda a mochila. Nela, um adesivo sentencia: já fui atropelada por um carrinho de Yakult.