Tuesday, May 08, 2007

O FUTURO SEM FRATURAS.

A criançada de hoje em dia não quebra mais o braço. Aliás, não quebra mais parte nenhuma do corpo.

Faz tempo que venho querendo falar sobre isso, mas fico com medo de acharem que sou sádico, pediatra ortopedista ou escultor graduado em gesso.

Fato é que, década após década, o número de crianças com tipóia vem diminuindo na mesma escala do tamanho do Chicabom, que mingua a olhos vistos.

Conversando com alguns amigos, nenhum deles das biológicas, chegamos a conclusões óbvias. O uso de iPod, Playstation e telefone celular não causa fraturas, a não ser que os aparelhos estejam de quimono. Pouco provável.

Ninguém mais sobe em muro pra pegar pipa, bola, cabeça de Barbie ou pé de tênis jogado por pura maldade.

Sem muro, sem quedas. Sem quedas, sem fraturas. Sem fraturas, sem gesso. Sem gesso, sem assinaturas e desenhinhos. Sem assinaturas e desenhinhos, sem paquera com a menininha de aparelho fixo. Sem paquera com a menininha de aparelho fixo pode ser que você não venha a nascer. Como no “De volta para o Futuro”.

A ausência de bracinhos quebrados na idade certa muda tudo e pode gerar transtornos. Imagine uma criança que passa toda a infância, adolescência e começo da vida adulta, sem nenhuma contusão séria, vindo apenas após os 40 a se envolver num contratempo na troca do toner da copiadora do escritório. Não fica bem.

- Como o papai quebrou o braço?- Filha, vai pra cama.

Adulto de braço, perna, mão, qualquer coisa quebrada fica simplesmente ridículo. O que é totalmente diferente de criança, que conota saúde, travessura, desobediência. A sensação estranha é a mesma quando vemos um adulto com catapora, ou com fraqueza na moleira.

- Não aperta a careca do Medeiros. A moleira ainda está em formação.

Nem por isso você precisa sair às ruas em busca de justiça com as próprias mãos. Deixe os ossinhos como eles estão. A culpa não é sua, nem minha, nem da TV, nem do Papa que, inclusive, deve ter fraturado alguma parte do corpo na infância. Sim, Papas são quebradiços, mas suas contusões levam o nome “episcopal” no fim: fratura da tíbia episcopal.

Conheço gente que se gaba até hoje de ter sofrido mais de dez fraturas antes dos 15. Colocam até no currículo, logo abaixo dos workshops: 12 fraturas e quatro luxações.

Luxação sim deveria ser banida do dicionário médico e consequentemente de nossas vidas. Prefiro tudo a uma luxação, até uma piscadinha gratuita de um farmacêutico malicioso.

Por ser um estágio intermediário entre a torção e a fratura, a luxação acaba por não ensinar nada de concreto para a criançada. O residual que fica como lição é “deixe sempre as coisas pela metade”; “Fique em cima do muro, mas cuidado para não cair”.

Crianças devem aprender na prática e no erro, assim como aquela frágil raça de pintinhos que nascem com apenas uma patinha e descobrem dia após dias que cada espirro significa uma pequena cambalhota. Simples e natural.

Se você ainda não quebrou nada, maravilha. Só não me venha daqui a uns vinte anos, já com a cabeça grisalha, pedir para eu assinar o seu gesso.