Wednesday, February 22, 2006

ROUBARAM O CORAÇÃO DA MINHA SOGRA.

Enquanto você lê esta coluna eu estarei me deliciando com marchinhas e gostinho de confete na língua, ou estarei preso no trânsito, ouvindo pela oitava vez o mesmo CD, com a água de litro pela metade e morna, e um resto de salgadinho de bacon de marca alternativa.

Alguém tem um chiclete? Com certeza não. Sempre que você precisa, ninguém tem. Mas é só voltar do banheiro com o hálito refrescante típico da pós-escovação, para alguém te oferecer.

No carnaval, me sinto ainda mais brasileiro. Dias de folia, algazarra, curtição, balbúrdia e muitas outras palavras que soariam ridículas em outros meses do ano.

E daí que axé é um saco? E daí que bêbado é um porre? E daí que pode ser que chova? E daí que o cheiro de suor com urina é um nojo?

Não está afim, fica em casa. Aluga Ben-Hur, faça uma pesquisa sobre a planária. Compre um aquário. Monte um quebra-cabeça de seis milhões de peças, inscreva-se num curso de bombons finos. A páscoa tá aí.

Odeio quem odeia o carnaval. “Ai, eu fujo”; “Passou o meu tempo. Prefiro descansar”. Muda pra Islândia.

Pior que isso, só quem fala “vamos pular o carnaval”. Como assim? Pular o carnaval?

É impossível controlar os hormônios. É como se internamente alguém dissesse para eles que estão distribuindo assinaturas grátis da Playboy no setor 15, ao lado do esôfago.

Mentalmente me pego cantando as musiquinhas do Silvião referentes à pipa do vovô que não sobe mais, ou da bruxa que planeja vir na companhia do saci. Enquanto isso, na toda poderosa podemos ver a perfeição da mulata que samba com aqueles efeitos que só o Hans Donner acha bonito.

E os desfiles televisionados, com imagens virando pandeiros ou aviõezinhos trazendo um mestre-sala em slow motion piruleteando no ar? Melhor: apuração de votos. Uma guerra sem limites travada na base do “êêê” com as notas dez e os “aaahhh” com as notas baixas. Gosto muito do termo “quesito” e mais ainda da voz do sujeito que anuncia as notas.

Fantasia? Peguei trauma. Sim, lá vem mais um caso familiar: eu e meu irmão, no carnaval de 85 fomos sumariamente obrigados a usar a mesma fantasia, diferente apenas na cor. Éramos palhacinhos com os olhos pintados, eu o esquerdo, ele o direito, e uma espessa camada de tinta contornado a boca. Para completar, uma foto fazendo careta com as mãos à frente, como se quiséssemos pegar a pessoa que vê a fotografia.

Passado o trauma, peguei gosto pela festividade. Quatro ou cinco dias de alegria sem fim, vivendo cada dia como se fosse o último, de um último carnaval, de uma última geração, de uma última dinastia de uma linhagem de macacos machos em dia de visita íntima no presídio.

Se beber, não dirija. Não fale cuspindo, não xaveque a mulher alheia, não tente sambar, não grite “ninguém é de ninguém”, não amarre a camiseta passando a parte de baixo pela gola, revelando o redemoinho de pêlos do seu umbigo.

Dizem que o ano só começa depois do carnaval. Não se esqueça de comer lentilha na quarta-feira de cinzas.

Wednesday, February 15, 2006

MUDANÇA DE CELULAR.

Decidi trocar o meu celular. Após 3 anos de pouca bateria e um cílio confinado entre o visor e a parte tecnológica, o namoro ao pé do ouvido terminou.

Juntos vivemos momentos agradáveis, recebi uma porção de notícias boas, algumas não tão boas. Como isso aqui não é uma coluna do CVV, não vou perder tempo relatando elas.

O modelo era uma porcaria, mas era compacto. O toque polifônico era ridículo, e irritava todos a minha volta. Muito nobre.

Na hora de mandar mensagens de texto me sentia na época da invenção da imprensa de Gutemberg, que tem sobrenome sueco, país este, berço da telefonia móvel e das telefonistas loiras, de olhos claros e que adoram morenos como nós.

Pois bem. Chegando ao quiosque da operadora (me recuso a comparecer a uma loja especifica de celulares) falei de cara: “quero trocar essa m.... pelo aparelho mais barato da vitrine”. Após conter um riso meio adolescente a atendente me apontou meu futuro novo companheiro. Fechado. Onde eu assino?

Agora desfilo com um exemplar que liga, recebe, toca, tira foto, frita quibe e imita o Zagallo. Pelo menos tem um splash na caixa que diz isso.

Em vão, a atendente tentou me convencer a aumentar meu plano de 30 minutos para o de 40. Dez minutos a mais? Vou dar um exemplo padrão das minhas conversas:

- Alô?
- Desce.
- Beleza.
- Abraço (com ênfase para o segundo “a”)

Chamada encerrada: 7 segundos. Deu pra entender?

Por sorte, mantive meu número antigo que é mais fácil do que o da pizzaria do seu bairro, que deve ter um nome mezzo italiano, meio brasileiro: Ma que pizza; Nona e Neto; Piazza do Sabor.

A notícia ruim é que a minha saudação antiga da caixa de mensagem se perdeu na mudança. Vou ter que contratar mais uma vez aqueles meninos sanfoneiros da Romênia. Tudo bem, vale a pena.

Outro ponto chato é ter que conviver, pelo menos nas primeiras semanas, com os engraçadinhos dizendo que você está ficando rico, só porque trocou de celular. Fico imaginando, um por um, engasgando com o carregador da bateria.

Agora, estou naquela fase de encantamento, com dó de manchar o visor com impressões digitais e gordura de risole de queijo. Este namoro vai durar até a primeira queda. Daí eu fico bem mais tranqüilo. Lascado é mais legal, dispensa cerimônias e cuidado redobrado.

Como ainda não me acostumei com o toque novo, muitas vezes fico com cara de louco, vendo o celular a minha frente tocar, a espera do maldito dono atender.

Nesse momento bate aquela saudade do toque ridículo, do pelinho por dentro do visor, do cheirinho de fundo de alcachofra, do jogo da cobrinha. Se você já trocou de celular, sabe do que eu estou falando. Sim, estou com o olho cheio de água.

Resumindo: comprei um celular novo, ainda não me acostumei, peguei o número da vendedora do quiosque, ela não é bonita, joguei o manual fora por engano, carreguei a bateria menos do que deveria e já penso seriamente em trocar de modelo. Pode ser amanhã ou daqui a 3 anos. Veremos.

Friday, February 10, 2006

CUIDADO AO ENXUGAR.

Mãos suavemente secas com apenas 2 folhas.

Foi a gota d’água. Agüentei até onde deu, mas hoje, ao secar minha mão, perdi a paciência.

Nove anos de ensino fundamental, maternal, jardins, um e dois, e pré. Quatro anos de ensino superior, trabalhos plagiados, fotocópias mal tiradas, impossíveis de serem lidas. Seminários apresentados para platéias hostis, broncas e ameaças de diretores e flanelinhas para chegar uma caixa de plástico com folhas dentro, e vir me dizer o que fazer? Dá uma olhada.

Após rodar por muitos empregos. Alguns nobres, outros vadios. Passar fins de semana fazendo trabalhos freelancer, comendo o pão que o diabo amassou para receber uma sugestão de um objeto inanimado?

Quantas noites mal dormidas, lugares que ainda não conheço. Viagens adiadas na última hora por problemas mecânicos no carro. Baladas e mais baladas, festas proibidas, churrascos com muita cerveja, carne e coração de galinha, para vir um compartimento de toalhas descartáveis com um papo meio estranho e um limitador no puxar das folhas?

Não. Não mesmo.

Perdi quase meio dia, incomodado, tentando me lembrar se em algum momento da minha vida, tomado por um transe, sequei as minhas mãos com apenas duas folhas de papel. Será?

O que aconteceria? As portas profissionais se fechariam? Mulheres passariam a me tratar com desdém? Minha cerveja esquentaria antes do primeiro gole? Minha sobrancelha se desprenderia do meu rosto? Estou confuso, para não dizer, com medo.

Mãos suavemente secas com apenas 2 folhas. Tá bom.

Por trás de uma escrita educada está uma mensagem subliminar, no mínimo embaraçosa, que enxuga mais do que as mãos, enxuga seu respeito para com a sociedade. Enxuga seu orgulho próprio.

Quando você lê esta mensagem, pode ter certeza, você está lendo algo como: “Ei, mané? Nada de sair gastando papel à toa. Tá pensando que é o rei da Noruega? Seca logo essa porcaria que chama de mão, e sai vazado”; ou ainda “Apenas 2 folhas são suficientes seu nenezão mimado. Quer fartura? Vai secar no lençol da sua casa”.

Todo cuidado é pouco. Esse tipo de mensagem está por toda parte.

É com as mãos que você toma as principais atitudes e decisões da sua vida. Um contrato é selado com um aperto de mãos. Uma garota pode ser conquistada com um carinho bem feito. Um bebe é segurado com as mãos, um goleiro pega um pênalti na final da copa, uma mímica revela o que não pode ser dito, um texto de uma folha, não duas, é digitado.

Se encontro o brilhante inventor deste dispositivo da censura, enforco com minhas próprias mãos, depois as lavo com sabonete de glicerina e claro, seco com duas míseras folhinhas. Agora sim.

Thursday, February 02, 2006

O FIM DA MAMATA.

É meus amigos, o horário do banho de sol está para acabar. É assim que a maioria dos alunos se sente na festa da volta às aulas. Não posso ser hipócrita, eu também me sentia assim.

Dias de pernas para o ar. Seções intermináveis de TV pela manhã, praia, piscina de tarde, petiscos de madrugada, baladas em plena segunda-feira, horários flexíveis de alimentação.

Todo mundo ralando e você na maior mordomia. Tudo o que é bom acaba. Melhor aprender cedo, porque logo você vai ter que fazer algo para comprar os petiscos que devorou nas férias. Ou você acha que no futuro a prática do fiado vai continuar existindo?

Passado o trauma, o enjôo e a raiva do mundo, o melhor a se fazer é pensar positivo, e não estou sugerindo frescuras psicológicas de visualizar um copo meio cheio ao invés de um meio vazio. Estou falando para ter foco no que vale a pena. Estando no inferno, abrace o capeta, faça uma aliança, ensine a Dança da Manivela para ele.

Vamos começar pela reposição de material. Se você tiver irmãos mais velhos como eu, talvez seja abençoado e herde livros de exercícios feitos de cabo a rabo, isso se a mamãe não fizer você apagá-lo folha por folha. Nesse caso, não empregue muita pressão na borracha. Com técnica e paciência você consegue deixar uma fina camada visível a olho nu.

Se você não for adepto dos fichários é hora de escolher uma dúzia de cadernos novos. Um para cada matéria. Cem folhas: 25 para aviões, barcos e afins; 25 para a confecção de projéteis; 25 para bilhetinhos; 25 para amassar e fazer uma bola revestida de fita crepe. Para anotar as aulas? Ah, peça umas folhas para o sujeito do fichário. Se eu encapava os meus? Claro que não.

No quesito uniforme, o que é melhor? Estrear um novo ou desfilar com o seu, numa versão ainda mais surrada, com fiapos na barra e a camiseta onde quase não se lê o nome da escola? Vale tudo para causar a impressão certa logo de cara.

Ainda buscando uma melhor adaptação ao novo fuso e ao recesso do horário de verão você chega meio que se arrastando e vai logo procurar em que sala caiu. Por que o Rafinha não está na minha classe. Quem é Tabata? Será que é gatinha? Aderbal? Puts, o cara da pinta peluda no pescoço. Que saco.

Ao entrar na classe começam a se formar os grupinhos, todos falando ao mesmo tempo como se estivessem num desses elevadores panorâmicos de shopping. Você não escuta o que os outros dizem e não consegue o timing necessário, nem o efeito de gelo seco para contar da água-viva que enrolou no seu tornozelo em Itaguá.

O professor entra e já tenta por uma banca. Vai ser um ano difícil. Muitas dízimas, raízes e pontos negativos. Quem não andar na linha terá problemas. Como se não bastasse pede uma lista extra de materiais: argila, compasso de fibra de carbono, papel A9, lápis HB, 6D, numa batalha naval entre a madeira e o apontador de ferro. Outro dia, não pude entrar no banco por ter um destes no bolso.

No fim você percebe que não é tão ruim voltar a estudar. Quando temos muito tempo para curtir acabamos acomodando. Isso é fato. Muitas vezes, aproveitamos com mais intensidade um belo de um feriado prolongado do que as férias inteiras. É assim que funciona, e não adianta discutir.

O jeito é fazer as contas. Carnaval, Páscoa, férias de Julho, Semana do Saco Cheio, Especial do Roberto Carlos.

Convencidos? Enquanto você pensa numa resposta mal criada, seus pais, os pais dos seus amigos, o Capeta, eu e a água-viva comemoramos a doce vingança de vê-los em mais um ano de confinamento estudantil. Rá rá rá.

PRATICIDADE PRA QUÊ?

Hoje é dia de falar sobre uma grande amiga de todos nós: a burocracia.

Não consigo entender como as pessoas podem odiar tanto uma prática que dá empregos diretos e indiretos em todo o mundo, principalmente por aqui.

Sem ela nossos dias perderiam a graça, aquele tempero especial feito artesanalmente de vias, formulários e musiquinhas de espera. Sim, a burocracia tem um sabor marcante, não podemos negar. Quanto tempo você leva para conseguir falar com o gerente do seu banco, cancelar uma linha telefônica, mandar uma carta, votar, doar qualquer coisa?

E ser atendido pelo médico então? Hospital público, nem preciso falar.

A burocracia é o iBope diário da sua vida. Sem ela, suas histórias se resumiriam a fofocas cotidianas, e isso não é forte o bastante. Sem ela, tudo seria muito fácil e sem graça. Você não teria do que reclamar ao chegar em casa. Não teria assunto. Teria que inventar algo, ou pior, ter que falar de problemas pessoais e abrir seu coraçãozinho.

Vai pra lá, vem pra cá, xeroca, reconhece firma, tira foto, manda o fax, imita um gago, liga para a central de atendimento, imita um gago de novo.

Outro dia fui tentar abrir minha empresa. O contador me pediu apenas um xérox simples de RG e CPF. Nossa, só isso? Pois é, abrir é fácil, difícil é fechar. Você pode não ter clientes, laranjas no caixote, ou colares de miçanga no mostruário. Morre o proprietário, cinco gerações sadias, e a tal M.E. (micro empresa) permanece.

Mais uma coisa legal da burocracia: o termo guichê. É lindo, acho que vem do francês. “O senhor poderia se dirigir ao guichê número 7?”. Claro! A impressão que dá é a de que serei atendido por um aristocrata do século XV, que brindará comigo um cálice de seu melhor conhaque.

Quantas pessoas você acha que trabalham para dificultar a sua vida? E não vá pensando que é fácil. Todos aqueles carimbos, papéis e envelopes de diferentes tamanhos. Tem muito serviço envolvido. Fazer cara feia e escolher roupas de tons pastel desgasta demais. Por isso o dia acaba quando você precisa que ele comece. Seis em ponto. Eu invejo.

Burocrático por nascimento é o sistema de senhas. É ela que evita o cara-a-cara imediato, prolonga a estadia. Uma divertida caça ao tesouro onde o prêmio varia de uma autenticação a uma expedição de uma nota de reembolso do plano de saúde.

Quer distância das pessoas? Ok, use a seqüência: formulário, receita, picote, datada com via autenticada no guichê do Meneses.

E não pense que você escapa. Frases como, “me liga daqui a pouco”; “já vou” e principalmente “você não acha que estamos indo rápido demais” são típicas de burocratas de mão cheia. Isso pra não citar o “me manda por e-mail” ou o top one “meu pai leva e o seu busca”.

Quando a vida estiver sem graça, entre numa fila, preencha um formulário, ligue pra receita. Não pode vencê-la, junte-se a ela, mas esteja preparado para uma seqüência cinco vezes pior do que a que envolve o Meneses.

PALAVRÕES.

Assim que o médico corta nosso cordão umbilical e temos os primeiros segundos de autonomia, se já soubéssemos falar, com certeza diríamos em alto e bom tom um palavrão.

Nada de “puxa, que legal”, “viva, nasci” ou “enfim, sós”. Ponha a mão na consciência e seja honesto: o que você diria?

Antes dos primeiros dentinhos de leite começarem a nos ferir já somos capazes de pronunciar alguns verbetes, e quando o rompimento da frágil gengiva é inevitável, nada mais justo do que se expressar, não com um “nenê qué papá”, “mamá” ou “mimi”. O melhor a se dizer, certamente seria algo grosseiro, que aliviaria mais do que passar Nenedent Gel ou morder um daqueles troços esquisitos de borracha.

Papai, por que não posso falar pipi e bumbum?

Nunca compreendi o porquê da proibição. Tudo bem que não é saudável sair gastando sua cota diária de palavrões à toa, mas vetar por completo, usando métodos medievais como o da colher de sobremesa com pimenta na boca, já é demais.

Outro dia vi um garotinho de uns cinco aninhos tomar um belo beliscão, só por ter exclamado “que saco”, após ter que devolver para a prateleira do mercado o pacote de bolacha recheada. Oras, a culpa foi dos pais de terem mimado o fedelho a ponto de ele ter voz ativa na hora da compra. Deixassem ele vendo desenho e rasgando as almofadas em casa.

Existem momentos em que não há palavra que se encaixe melhor. Muita educação gera mais diálogo.

Com o tempo aperfeiçoei meu repertório a ponto de acreditar que o dito popular “para bom entendedor meia palavra basta” deveria ter um irmão bastardo “para mau entendedor só um palavrão resolve”.

Parece que as pessoas não entendem sentenças polidas, principalmente os profissionais de telemarketing, seguranças de estabelecimentos públicos, subordinados diretos, crianças, flanelinhas entre outros.

Mesmo que retrucado, continuo com a teoria. Quem xinga, pode muito bem ser xingado. É a regra do jogo. Isso se chama fair play, que também poderia ser considerado um palavrão.

Eles estão na TV, nos livros, no trânsito, no elevador, nos estádios. Ah os estádios. Uma justa terapia em grupo onde podemos xingar ininterruptamente por 90 minutos, mais os acréscimos, prorrogação e pênalti se tiver. Os bandeirinhas, ou auxiliares, como preferir, são seres evoluídos com toda certeza.

E quando você der uma topada com o dedinho na quina do sofá, nada de precipitação. Respire, conte até cem usando “pim” a cada 3 números e seu ódio contra o mundo e contra a loja que te parcelou o belo aparato almofadado em 68 prestações, desaparecerá, junto com a dor e com a unha.

Manter a calma? Pra quê? Tá louco? Toda aquela raiva contamina os radicais livres, as mitocôndrias os retículos endoplasmáticos e todos os palavrões que nos revestem por dentro. Erra é humano. Errar é humano o cara...

Tá estressadinha, boneca? Abra a janela, escolha o seu maldizer favorito e mande ver. Faz bem. Purifica a alma. Se bobear você ainda descola uma namorada.

LÁ VEM O SOL.

Menino, passa o protetor. Certamente você já ouviu esta frase que irrita os ouvidos mais do que os raios UV irritam a sua pele. Que o sol esconde alguns riscos todos nós já sabemos, mas cá entre nós, ficar em casa com cor de brócolis não dá.

Basta apontar um filete luminoso para o humor de todo mundo melhorar, exceção feita aos funcionários dos pedágios. Nunca se esqueça de agradecer a eles pelo nome. Aquela plaquinha na cabine não está lá à toa.

O mundo é dos morenos. A frase que parece pretensiosa está escrita no interior de três das maiores pirâmides do baixo Egito com sangue de escravos brancos, considerados hereges perante o poderoso deus Rá.

Sim, o parágrafo anterior é mentira, menos a parte que frisa a importância dos de cútis dourada na Terra.

Marquinhas de biquíni. Cor do pecado. Cor de jambo. Moreninha. Ninguém sai por aí espalhando “nossa, precisa ver a branquelinha que eu saí ontem”.

Me perdoem os albinos. Eles que encontrem alguma solução. Insulfilm é uma, mas precisa ver se é permitido pelo Detran.

O verão é uma fase única no calendário. É o período que nos coloca de verdade para trabalhar, focados e sem dispersão. Ninguém quer correr o risco de ter que ficar até depois do expediente. Seis em ponto e área. Reunião no fim do dia? Só se for pra eleger o melhor boteco pra beber, ou criticar a sunga de lateral estreita do Freitas.

Também é um período onde voltamos à infância, em parte por acordarmos sempre molhados, em parte por queremos dar bombas em piscinas e tomar todos os sorvetes do cartaz do sorveteiro, que sempre diz ter todos, mas na hora da escolha vem com o clássico “ih, esse é o único que tá em falta”.

É também o período onde os diminutivos surgem por entre as nuvens ortográficas com enorme potencial convidativo: raspadinha, batidinha, caipirinha, cervejinha, piscininha, sonequinha, prainha.

Mormaço. Esse sim merece cuidado. Dissimulado que só ele, se esconde na nebulosidade para tostar nossa moleira. Sabe quando sua mãe envolve aquela peça de miolo de alcatra com o papel alumínio e assa por 30 minutos? Então.

Lembro de ter adormecido um dia desses sem me preocupar com ele. Acordei inchado feito um sapo. Mais uma vez, receitas caseiras passadas de geração em geração, aliviaram meu ardido, numa poderosa mistura de Maizena com água do filtro espalhado pelas áreas afetadas, no caso, todas.

Quer ficar com a cor do Kadu Moliterno? Lembre-se de tirar a camiseta regata antes. Mais ridículo que essa marca no corpo, só mesmo andar com aquele colete de madeira “compro ouro”.

E quando anunciam “hoje acaba o horário de verão” sinto como se ele, novamente ele, o poderoso deus Rá enviasse sua última flecha calorosa e levasse tudo de uma vez só: a cor, os biquínis, meu copo americano suando por fora e principalmente o meu humor.

Voltamos à estaca zero. A partir daí são 3 longas estações até um novo e surpreendente verão. É hora de pedir desculpas à branquelinha lá de cima e tirar onda de quem fez bronzeamento artificial, e adquiriu aquela cor de salsicha pré-cozida.

Por isso mesmo já deixo avisado. Se esta coluna não pintar por aqui num desses finais de semana de 30 graus e céu de brigadeiro, já sabem: ou estou na piscina ou curando meus ardidos com Maizena.

RECEITAS.

Tenho passado merecidos minutos, atirado no sofá de casa, assistindo TV e trocando freneticamente de canais.

Não poucas vezes me vejo parado, salivando feito um vira-lata, acompanhando receitas caprichadas apresentadas em um dos dez mil programas de culinária que passam simultaneamente. Acho que até a TV senado anda exibindo a sua versão. No de ontem à noite, ensinavam macetes, lendas e folclores na hora do preparo artesanal da pizza.

Mas por que tenho dado tanta audiência para os afazeres culinários televisivos?
Existem várias teorias, mas a mais plausível remete a minha má alimentação diurna baseada em combinações patéticas de legumes murchos e frituras.

O fato é que todo mundo, mais dia, menos dia se pega parando frente a um desses programas, seja por água na boca, seja por não ter nada para fazer. Que vá então descascar batata doce ou fatiar alho poró.

Pego carona aqui no alho poró para criticar o principal estratagema destes shows da gula. Pode reparar. Toda receita respeita um cuidadoso planejamento que passa invariavelmente por cumbucas de barro, vidro, porcelana ou inox, recheadas de cebolinhas milimetricamente cortadas, especiarias do Suriname, ervas do Nepal, pimentas do Butão.

Onde diabos vou conseguir um desses? Tudo fica muito bonito, colorido e gostoso na TV.

Fogões de dezenove bocas, forno pré-aquecido na temperatura exata, tudo lavado, picado, pré-cozido, separado, fresco. Deu errado? Basta chamar os comerciais. Oba, acho que vou tentar fazer este suflê de couve com mandioca selvagem salteada para o almocinho de amanhã.

Claro que não vai. No máximo você vai ferver aquele pacote de salsicha sem corante que por algum motivo insólito você comprou.

Te desafio a abrir a dispensa e encontrar algo mais ousado do que uma bisnaga de mostarda pela metade e um extrato de tomate italiano com bassil que veio na cesta de natal que você ganhou da firma.

Outra coisa. Os queijos utilizados em recheios cremosos e molhos gratinados são sempre os mais caros, como se fosse a coisa mais normal do mundo ter um toquinho de Emental, ou de Gruyere na geladeira. Tá bom então.

Aliás, só de falar a palavra gratinado minha boca já encheu de saliva. Qualquer troço gratinado fica bom. Meu sonho é comer toda a casquinha dourada de uma travessa, deixando o resto do pirex pelado. É um sonho meio besta, mas é meu.

Por fim, para judiar ainda mais de nosso estômago que está vazio e clama por justiça, somos submetidos à verdade crua e nua: “se você não tiver o miolo de vitela, ou o camarão gigante do ártico, pode substituir nas mesmas proporções pela sobre-coxa do frango resfriada ou por ricota hidratada. Fica super gostoso e light.” Ah, vá pro inferno.

No meio da lavagem cerebral refogada com manteiga de garrafa e cheiro verde, odor característico da axila do Hulk, temos que correr para encontrar um lápis e um pedaço de papel para anotar o saboroso passo a passo. Óbvio que todos os lápis estão com a ponta quebrada, e o único papel que ainda repousa sobre a mesinha do telefone está mais rabiscado que aquele gesso fedido que você usou na quinta série.

A partir de hoje não assisto mais essas porcarias. Bom mesmo era a Ofélia que falava devagar, repetia duas vezes os ingredientes e utilizava produtos Cepêra. Isso tem no supermercado perto de casa.

Wednesday, February 01, 2006

ALTOS E BAIXOS.

Sempre ouvi um papo de que o brasileiro possui uma estatura padrão. Nem muito baixo, nem muito alto. E esse é o grande problema.

Por acaso existe no sistema métrico esta subdivisão?

Como milhões em nossa população descendem de povos europeus, temos gigantes circulando entre nós. Falo em nome de uma grande fatia de pequenos notáveis. Prometo não usar mais trocadilhos a partir daqui.

Toda aula de educação física reservada para peso e medida era aquele martírio. Se não me engano era uma no começo e outra no fim do ano, uma segregação a olhos vistos. Todos se deleitando com a ação natural em seus corpinhos juvenis: cinco, dez, algumas vezes até quinze centímetros, em um ano. Sim, em um ano. E eu ali, catando centímetros e usando palmilha para me sentir socialmente aceito.

Quantas noites mal dormidas e pesadelos por conta de um tal estirão que nunca me aconteceu. A família tentava incentivar: “Nossa, mas tomou chá de trepadeira?”. Só se for para soltar o intestino. “Mas espichou esse aí, hein!”.

Já maior de idade cheguei a uma altura melhor, longe do almejado um metro e oitenta, mas feliz. Quando ando na rua me sinto bem ao observar pessoas mais velhas e menores do que eu. Estufo o peito e ando orgulhoso, como um imponente galo de briga. O mesmo acontece quando me vejo de mãos dadas com alguma garota que se abraça a mim e fica abaixo da linha do meu queixo. Doce ilusão. No próximo encontro, o salto ou aquela bota com uma exuberante saliência me devolvem a sensação de jamais ter deixado as aldeias da terra da fantasia. Maldito gnomo.

Salva-vidas de aquário, pintor de rodapé, papagaio de pirata. Sofri. Confesso que sofri. Para uma pessoa de 1,72, diferente das pesquisas iBope que sempre consideram as variações de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, cada pontinho na escala traz muito valor, e é capaz de mexer com o orgulho. Não sou nem um “anão” de 1,70 nem um “gigante” de 1,75. Sou um típico brasileiro de 1,72 e não me venham com ajustes para baixo.

E fotos em escadinha então. Que situação. Nas partes mais altas, muitas vezes meninas, e eu ali, quase na base, à frente apenas daquele boliviano que realmente tinha problemas com a fita métrica, problema sério por sinal, e logo na seqüência a Carol, que se não me engano, tinha uma perna maior do que a outra.

Na horizontal é tudo igual. Desculpa esfarrapada. Para chegar nesse estágio você tem que necessariamente passar por um papo em pé, a não ser que você tenha a sorte de ter a sua maca emparelhada num romântico corredor hospitalar ao lado da pivô da seleção sueca de basquete. E mesmo assim, você precisa arranhar um sueco.

Não posso deixar de falara das compensações. Atravessar pistas lotadas, conforto nas poltronas dos aviões, herdar roupas dos outros com o popular “acho que serve pra você”, velocidade no futebol, e muito mais. Se você não tem a estatura padrão do brasileiro, azar o seu. Continue batendo a cabeça em batentes de porta e dormindo com as pernas para fora do colchão. Vareta de cutucar estrela.

Se a Xuxa ama os baixinhos já é um começo. Há um horizonte lá na frente. Basta pular para ver. Tamanho não é documento. A tendência é a fabricação de móveis com prateleiras mais baixas e a abolição por completo do fatídico “peso e medida” escolar.