Wednesday, May 31, 2006

JÁ TIREI A CORNETA DO ARMÁRIO.

Não dá mais para esconder. A Copa chegou. Chegou, mas não chegou. Estamos naquele período insuportável onde só se fala, só se lê, só se faz mímicas onde o tema é futebol, e seleção brasileira, que na verdade, são a mesma coisa.

Banco abre. Poupatempo fecha. Padaria abre. Supermercado fecha.

Quadrado mágico. Quinteto maravilha. Sexteto onze e meia. Adoro os termos que a imprensa inventa. Eles criam e meia-hora depois já aparecem criticando.

Pior é quando quase vazam a córnea dos nossos valentes atletas com a ponta do microfone, mesmo os acolchoados: “Qual é o sentimento após desperdiçar o pênalti?”; “Além do sangramento abundante, você está sentindo muita dor?”; “Você achou justa a sua expulsão?”. Gênios armados com pontos eletrônicos no ouvido.

Lava rápido abre. Tinturaria fecha. Salão de beleza abre. Cantinas italianas fecham.

Se vai de 3-5-2 é retranqueiro. Se opta pelo 4-3-3 é louco. Se manda o lateral avançar, bebeu no vestiário. Se inverte a posição dos zagueiros, quer aparecer.

Banca de jornal abre. Clube de tradições nordestinas fecha. Loja de abajur abre. Museu do jovem artesão fecha.

No quesito escalação, não vou dar a minha opinião. Todo mundo tem a ideal na cabeça. A única coisa que posso dizer é que na minha seleção só teria jogador mau caráter.

Jogador de futebol tem que ser meio bandido. Tem que puxar a camisa na área, encarar, dar trupico, cuspir, puxar a camisa, dar tapinha na nuca, passar a mão no rosto do adversário. O próprio Pelé era craque em dar cotovelada sem o juiz ver. Se um jogador foi eleito o atleta do século mesmo fazendo isso, algo do que eu disse faz sentido.

Quer ser santo? Então que vá fazer coreografias dando saltos sobre os cavalos ao som de brasileirinho.

Academia abre. Floricultura fecha. Hotel de cães abre. Vidente do amor fecha.

Tem muita gente preocupada com o clima de já ganhou, e com a descontração nos treinos. Isso não me incomoda. A minha previsão? Muita cerveja e quitutes durante as partidas. Já tirei a corneta do armário. O plâncton que nasceu no seu interior vai trazer sorte.

O que me preocupa é o pós-copa quando voltamos a torcer por nossas equipes nacionais.
Gramados europeus caprichosamente pintados de verde claro e verde escuro dão lugar aos nossos, queimados, com pés solitários de havaianas e radinhos de pilha nas laterais.

As suecas de peito de fora e as holandesas se beijando na arquibancada dão lugar a magros com barriga, aqueles que aparecem sem camisa, com tufos assimétricos de pêlos no peito, erguendo com orgulho cartazes pintados à mão. É uma várzea.

E os craques? Nunca mais. Nada de times milionários ou o quadrado mágico. Aqui, temos no máximo as bestas quadradas. Só um pouquinho diferente.

Se você não está tão preocupado com o final da Copa como eu, me desculpe. Espero poder comemorar um gol do Brasil ao seu lado e poder assoprar em minha corneta bem no seu ouvido. Se acontecer do plâncton voar por acidente no seu ouvido, lembre-se:

Lojinhas de 1,99 abrem, mas pronto-socorro com otorrino de plantão, fecha.

Thursday, May 25, 2006

EU NÃO ACREDITO.

Descobri que uma das coisas que mais me dá prazer é mentir.

Quando mentimos, podemos conduzir os assuntos para onde bem entendemos. Somos atores e diretores de nossos próprios filmes. Você acrescenta figurantes, cenários, dramaticidade, humor, efeitos especiais, e, uma simples ida até a padaria transforma-se na continuação não rodada de “Os Trapalhões na Serra Pelada”.

O final da história pode ser feliz, triste, ou simplesmente não existir. Tudo depende da sua audiência. Precisando apelar, apele. Todos os recursos estão à sua frente, não perca a chance de contar uma grande história.

Há um ditado que diz que a repetição de uma mentira sucessivas vezes transforma ela numa verdade. Eu diria que acreditar na mentira que você conta já é suficiente.

Mentira com perna curta é coisa de amador. A mentira bem contada resiste ao tempo e pode te proporcionar novo prazer, muitos anos depois, ao ser revelada. Os mesmo olhos atentos que se encantaram, agora se enraivecem, riem de nervoso por terem acreditado. Juram nunca mais acreditar em você. Mentira deles.

As referências estão em todo lugar. Quem lê, sabe.

Assim como compor, pintar, esculpir, mentir também é uma arte, com a vantagem de que um mentiroso pode se passar por qualquer um dos anteriores e ganhar muito mais do que eles juntos.

Até a folhinha já se rendeu aos encantos da mentira. Tá lá: primeiro de abril, dia da mentira. Dia da verdade não tem.

Sugiro até criarem o museu da mentira. Seria dividido em seções: advogados famosos, propagandas inesquecíveis, pescadores. Teria um andar inteirinho dedicado aos políticos. Seguiria a cartilha dos museus com fotos antigas protegidas por vidros, sinopses explicativas, fones de ouvido para escutar trechos de mentiras épicas, vídeos e outros aparatos tecnológicos multimídia. No fim, lojinha com camisetas, chaveiros, bonés e frases conceituais idiotas do tipo “Museu da mentira. Juro que é verdade”.

Pé chato? 8 graus de astigmatismo? Língua bifurcada? Você mente quando se alista no exército.

A mentira é necessária. Estudos revelam que pessoas que só contam a verdade têm maiores chances de morrer entaladas com um petit-four de fundo de alcachofra num baile de debutantes.

Você mente quando sobe ao altar, mente para ser promovido, mente para passar na provinha do espanhol nível básico. Mente pro flanelinha na hora de pagar, pro carinha do exame médico e pro policial rodoviário. Daí, mente para o seu próprio estômago dizendo que o bacon extra não vai fazer mal, e para a sua dentista dizendo que tem usado o fio dental regularmente.

“Humm, eu adoro carne de soja Dona Silvia. Sagu de sobremesa? Claro.” Você mente sentado à mesa da sua futura sogra.

“Possui experiência com isso? Claro que sim”. A mentira surge por necessidade e acaba virando uma questão de sobrevivência. Quando você se dá conta, está dirigindo uma balsa com 50 veículos a bordo. Atracá-la? Moleza. Eu chamaria de sorte do mentiroso.

Você é honesto? Ótimo. Perca todo o seu dinheiro numa mesa de pôquer em Vegas. Depois é só contar a verdade em casa. Vai fundo.

Thursday, May 18, 2006

SAUDADE DO UBIRATÃ.

Cansei de ser engraçadinho. Essa semana, nada de humor, piadinha, comparações bestas. As manchetes não me deixam escolha.

Acabou a paciência e não tenho o menor motivo para mascarar a raiva que estou sentindo. Queria dizer um monte de palavrões. Chutar uma bacia de alumínio pra fazer bastante barulho. Quebrar um copo. Jogar um cubo mágico contra a parede. Infelizmente não posso dizer ao pé da letra o que eu queria fazer. Mas espero que vocês entendam.

Nada explica ter que largar o trabalho no meio da tarde e correr pra casa como um escoteiro sem o canivete. Olhando pelo retrovisor, o contraste de rostos assustados e a felicidade de vendedores de churrasquinho faturando alto. Fato é: o medo causa fome.

Os espetinhos vendidos só me faziam lembrar ainda mais do bandido que pediu X-Picanha com fritas, por se recusar a comer a pizza pedida pelo delegado no dia de um certo interrogatório. Maravilha.

Os bandidos inventam apelidinhos para eles mesmos e todos nós temos que aprender a chamá-los carinhosamente por eles. Que Marcola, que Dedê do Boréu, que Tuquinha Bigode. Tem que chamar todos eles por número. Marcar o lombo igual fazemos com o gado antes de virar espetinho.

Alguém de pulso firme decide fazer o que todos sonham em fazer. Pronto. Já sai especial de Globo Repórter, a opinião pública se divide, e os desocupados dos direitos humanos, entram em cena novamente.

Direitos humanos? Um bando de desempregados que, para não ficar em casa atendendo telefone e anotando recado, arranjam uma ocupação. Que tal instituirmos o dia da visita íntima coletiva às celas de estupradores para eles? Ou o dia do banho de língua aos presos aniversariantes do mês? Afinal, todo preso maior de idade merece um banho de língua no dia do seu aniversário.

Uma cidade do tamanho de São Paulo, parada por causa de boatos e ameaças. O que se seguiu foram filas para usar o banheiro do escritório, estagiários agarrando a força e amarrotando os vestidinhos das diretoras, gente experimentando pela primeira vez o frapuccino da máquina, como se aquele fosse o último dia de suas trágicas vidas. Todo mundo querendo ir embora logo depois do almoço. Chegaram na hora da janta em casa, respirando um delicioso monóxido de carbono nas ruas e presenciando de camarote cruzamentos travados, ônibus lotados e especialistas de coisa nenhuma dando suas importantes opiniões nas rádios.

Concordo plenamente em fornecermos TVs de plasma 42” para eles assistirem a Copa. Bandido é pé quente.

Penso também em doar o colchão da minha cama sempre que algum preso resolver queimar o dele. Não é justo que um ser humano durma num chão frio. Não mesmo.

E os celulares? Eu me preocupo muito em saber se os modelos utilizados nas cadeias possuem streaming de vídeo, câmera com resolução de 2 megapixels e tocador MP3. Podemos ter artistas genuínos encarcerados. Que desperdício. O novo Fernando Meirelles pode estar vendo o sol nascer quadrado.

Os presídios de segurança máxima deveriam ser desativados. Eles detestam ser transferido para eles. Por que não optar por presídios de segurança mínima com paredes de isopor? Mais barato e divertido. Os policiais estariam sempre vendados e, de meia em meia hora, seriam rodados sucessivas vezes sobre o próprio eixo para perder um pouquinho a noção espacial.

Viva a bomba de efeito moral. Essa sim resolve. A cada explosão ouve-se a voz de uma autoridade em psicologia moderna aconselhando os delinqüentes de que o crime não compensa.

Raiva, muita raiva. Infelizmente não tive coragem de escrever a solução pra tudo isso, e olha que eu tenho. No próximo toque de recolher, convido todos para um churrasco na minha casa. A cada caixa de cerveja trazida, mais dois e cinqüenta, ganhe um membro dos direitos humanos de pelúcia.

Thursday, May 11, 2006

MÃE QUE É MÃE SÓ COME McCHIKEN.

No segundo domingo de maio comemoramos o dia das mães.

Com certeza você não se esqueceu, e deve ter passado a semana separando palitos de sorvete e recortes de revistas para fazer um belíssimo porta-lápis, ou comprado lã e tela para tecer com suas lindas mãozinhas um marcador de livro todo caprichado.

Eu me lembro de ter feito um peso de papel usando uma pedra que tinha o formato da costeleta do Menem e tinta plástica. Ela disse que adorou, mas nunca vi os papéis que ficam sobre a mesinha da sala presos embaixo dele. Também, que professor ensina a fazer esse tipo de presente? Deve ser as balinhas de licor na sala dos professores.

Pior que isso só quem cai no papo dos comerciais varejistas sanguessugas e compra um processador ou uma cozinha Granada só para ganhar o relógio de parede.

Se ela disser que não precisa de nada, não leve ao pé da letra. Seja criativo, pense em algo diferente, exclusivo, deixe ela pensando que você rodou a cidade atrás do presente, mesmo que tenha comprado pela Internet, ou daquela mala sem alça do financeiro que vende bordados o ano todo.

Acorde ela com um café da manhã, mas lembre-se de que elas não gostam de pão de forma. Não sei de onde eu tirei isso, mas achei um dado bem interessante. Vou mandar um e-mail pra Pullman.

Pullman, Tupperware, McDonald’s. Mães possuem um sotaque padrão para dizer nomes em inglês, pode reparar. Aliás, repare também que elas só comem o McChicken. Por que será?

Elas sabem exatamente o que dizem, têm sempre a razão, nos conhecem melhor do que nós mesmos, fazem perguntas demais pro nosso gosto, e tem o dom de acabar um diálogo com “não é não”. Queria poder fazer o mesmo no trabalho.

Mãe é aquela que te cobra a tabuada mas que sopra um ou outro resultado. É aquela que te deixa comer a fritura desde que você coma um prato cheio de arroz com couve-flor. É aquela que finge acreditar nas suas mentiras e que não acredita que você não pode fazer algo.

É aquela que resolve dar as suas roupas que você mais gosta porque estão velhas, que fala com a mãe dos seus amigos para saber se não vai incomodar você passando um fim de semana no sítio deles.

Mãe é aquela que puxa a sua orelha até ela ficar incandescente e depois compra cinco pacotes daquele biscoito recheado que você disse que gostou. Aliás, basta dizer que gostou de algum produto para sua mãe prontamente forrar a dispensa fazendo com que você enjoe do mesmo em menos de uma semana.

Mesmo assim, ainda sou contra a frase de que mãe é tudo igual. Que eu saiba, só a minha mãe usa termos como “te dou um tapa que te vira a cara do avesso” para amedrontar. Sempre que falo sobre esse método de intimidação recebo olhares piedosos dos amigos.

Falou palavrão, pimenta na boca. Brigou com os irmãos, cinta pendurada na porta da cozinha. Um chora, os dois apanham. Não acho que ela tenha exagerado. Tudo o que recebi na infância, foi merecido, mas admito que vou descontar nos meus filhos.

Se eu fosse você não duvidaria dos super poderes delas. Elas não acertam a previsão do tempo. Elas mudam o tempo com suas previsões. “Leva uma blusa filho”. Pode ter certeza, vai gear em pleno verão. “Leva um guarda-chuva”. Sim, pode chover no agreste.

“Filho, passa protetor”. Da última vez que desacatei, acordei parecendo um sapo calibrado em posto com 32 libras.

Por isso, desejo do fundo do meu coração um feliz Dia das Mães pras mães que já são avós, pras de primeira viagem, pras que sonham em ser, pras dos juízes de futebol e pras que só comem McChicken, ou seja, todas. E como mãe só tem uma, desejo um especial para a minha. Te amo mãe.

Tuesday, May 02, 2006

ME MANDA O SEU CV.

Descobri por acaso que onze entre dez pessoas possuem um CV, curriculum vitae, em itálico pra ficar mais bonito e porque é latim, currículo ou simplesmente, ficha na polícia.

Neste documento hipócrita, que muitas vezes recorre a uma tonalidade de papel de pão para dar um ar Luiz XV, encontramos todo tipo de imbecilidade, passando pelos livros de auto-ajuda lidos pelo candidato durante seu intercâmbio cultural no estrangeiro, chegando até a sua predileção por iogurtes esfoliantes sabor colágeno. E eu venho aqui te perguntar: pra quê?

Sou daqueles que não possui um currículo dos mais extravagantes, com cursos de nomes complicados seguidos de algarismos romanos, workshops e fofocas da infância. Meu currículo se resume a uma única página, assim não encho o saco de quem lê, que na verdade, mal sabe se estou dizendo a verdade.

Inglês fluente. O caramba. Ou você nasceu na desgraça do país ou você não é fluente. Conheço gente que fica falando rapidinho só pra dar a sensação de que possui uma boa prática em conversação. Tem nada. É um emaranhado de “you know” mais uma batelada de “yeah, yeah that`s fine”. E toda hora apela para um “sorry?”

Mais abaixo encontramos as linhas separadas para os cursos de computação. Pra começar, o nome “curso de computação” já me dá uma ânsia, a mesma que eu sentia quando tinha quatro anos, no meio da serrinha do Guarujá.

Pacote Office completo. Que beleza hein? Já dá pra casar.
Curso técnico em Plataforma Windows XP com borda recheada. Saber trocar o papel de parede do seu computador não te credencia como Mestre Faixa Preta de terceiro dan.

Chegamos a sessão mais besta conhecida como workshops. Pra mim, essa parte só atesta a preguiça do candidato. Se fez workshop é porque teve coragem de se aventurar em algo mais duradouro.

A única coisa que você podia aprender em menos de um dia era a moral da história que sempre vinha no final dos episódios de He-Man e She-Ha, bons tempos aqueles.

A página vai ficando pequena pra tanta baboseira, mas ainda há espaço para um mini-bate-bola, tipo o que a Xuxa fazia com seus convidados: uma cor: verde; uma palavra: amor; você por você mesmo: não tenho nem coragem de escrever esse.

Ótimo em trabalho em grupo. Que vá liderar uma equipe de escoteiros então.

E os que falam de seus dotes motivacionais? Como pode um sujeito estar motivado vestindo uma camisa de seda lilás com uma gravata azul royal lisa bem cumprida, cobrindo inclusive o cavalo da calça? Meu Deus. Essas camisas de seda costumam ser meio brilhantes e ficam folgadinhas no corpo. Não dá para saber se o candidato está em forma, ou se não passa de um flan sabor caramelo, que tomava beliscões nas tetinhas em pleno terceiro colegial, época em que era carinhosamente chamado de Dim (Pudim).

Agora entram as empresas por onde o cabra passou. Eu prefiro o termo “tem referência?”. Daí a pessoa lista tim tim por tim tim tudo o que fazia por lá, o nome de solteiro dos amigos, conta da festa de fim de ano no buffet infantil, da vez em que o Amadeu apareceu com a barba feita só de um dos lados e outros pormenores. No cargo, coloca algo como: gerente de novas ocasiões besuntado em afazeres fiscais.

A solução mais rápida seria a eutanásia, mas, para não parecer tão radical vou dar uma dica. Ainda de frente para o entrevistador comece a dobrar o seu currículo. Faça um avião do tipo Planador. Diga algo como “é hoje que a minha carreira decola”. Assim que a pessoa fizer cara de ânsia, como a minha da serrinha do Guarujá, jogue o avião com toda a força nela, roube o grampeador e tudo o que estiver ao seu alcance e corra, corra muito. Passando pela recepção, seja simpático: “tenha um bom dia, madame”.

Pode ser que você não arrume trabalho tão cedo. Nesse caso, use o seu inglês, aquele que você disse que era fluente, ligue aqui pra redação e diga “I work for peanuts”. Foi o que eu fiz. E funcionou.