Wednesday, August 27, 2008

ZÉ GOTINHA E O FIM DA PICADA.

Dias atrás fui obrigado a tomar esta nova vacina contra sarampo, rubéola, ou sarna, não lembro do motivo, só sei que fiquei muito incomodado.

Para completar, após a aplicação da injeção, fui alvo de duras críticas por parte de minha mãe e minha namorada, que se uniram para blasfemar contra a categoria masculina. Segundo elas, todos os rapazes que saíam do posto de saúde ostentavam caras de dor, mangas erguidas e um pedaço de algodão, estancando a perfuração, enquanto as mulheres, tranqüilas e serenas, apenas sorriam, como se tudo não passasse de uma grande festa.

- Homem é muito dramático! (gritavam enquanto pegavam autógrafos do Zé Gotinha).

Injeção é uma dessas coisas que me provoca repulsa, assim como estabelecimentos que colocam apóstrofe “s” no nome.

O reclame na TV confirma: homens, mulheres, jovens, adultos e pessoas de nomes híbridos, como José Maria, devem ser vacinadas. Se você estiver nessa malha fina da seringa, prepare o bracinho, neném.

- Moço, pode ser no bumbum?
- Lamento, não podemos aplicar na nádega.
- Vocês também não podem falar bunda, traseiro ou popança?
- Infelizmente, não. É lei federal.

Quem eles pensam que enganam com aquele algodãozinho embebido em álcool? Para mim, essa é a parte mais tensa. Um momento de angústia e expectativa semelhante ao que acontece quando aguardamos o vendedor da loja de calçados retornar do estoque dizendo se tem ou não o tênis do seu tamanho.

- Mas eu tenho mesmo que tomar essa, mãe?
- Tem. Veste logo a blusa, calça o tênis e vamos.
- Mas por quê? Coqueluche não é o mesmo que chique, sofisticado...
- Quer que eu peça pro médico aplicar na sua língua?

José Gotinha? Esse pra mim é o líder da corja. Com seu sorriso carregado de cinismo e sua pele branquinha vai nos convencendo desde pequenos que campanha de vacinação é legal. Justo ele, promessa marketeira do fim das agulhas. Traíra.

Meningite, febre amarela, gripe espanhola. Peste bubônica, lepra, mal de chagas. Tétano, dengue, costeleta do Menem.

O número de desgraças é tão grande que já tem jornal distribuindo fascículos colecionáveis e capa dura nas edições dominicais. “Esta semana: ébola, no país do futebol”.

- Doutor, essa dói?
- Só uma picadinha.
- Devo lembrar que esta ligação está sendo gravada.
- Ok. Dói pra caralho.

Com tudo isso, ainda me orgulho de ser o detentor do recorde de escândalo no consultório do Doutor Ricardo, pediatra da família, quando três médicos, uma enfermeira, um medalhista olímpico da esgrima e uma mãe foram necessários para me deter no momento da aplicação.

Assim termina a festa da vacinação em todo o território nacional, com um cidadão anônimo dentro de uma fantasia felpuda, cegado por uma enorme cabeça em forma de gota, segurando recém nascidos apenas com uma mão, enquanto acena para o público com a outra. É o fim da picada.

Tuesday, August 12, 2008

CHATICE POR QUILO.

Se alguém do Censo, se é que eles existem, chegasse em você para pesquisar quem é a pessoa mais chata do país, você teria uma resposta na ponta da língua?

Eu sim: o cara da frente na fila do restaurante por quilo. Não existe ser humano mais inoportuno.

Garfos tornam-se lanças. Ovos de codorna, munição. E a vontade de matar só não supera a de comer uma friturinha.

Como todos sabem, hora de almoço corporativa é aquela coisa: o estouro da manada dos executivos de sarja encontra a enfurecida tribo crachá no bolso, provocando uma pororoca empresarial de residual barrento. Sempre pinta um oriental tirando foto. Que chato!

Fome, pressa, aglomeração, cigarro, celular. Todos os credos, todas as cores, todos os assuntos que nem eu, nem você, faz a menor questão de interagir.

- Dá oi pro moço, filho.
- Mas ele tá de gola olímpica, mãe.
- Então devolve o bolinho de queijo.

Gordos de dieta, magros vegetarianos, a turma do pastel no topo, a da saladinha e “só um salmãozinho”, e a moral e os bons costumes ficam de fora da pesagem.

- E aí campeão, será que dessa couve sai ouro?
- Olha, tá difícil, viu. (e solta uma risada meio débil)
- Então agiliza.

O chato do quilo, também conhecido como aspargo sem caule, é aquele que, de posse de um pegador de inox, sente-se num filme nacional de estética árida, garimpando pepitas inexistentes em plena Serra Pelada. Cada folha é meticulosamente escolhida, cada bolinho deve ser “sentido” com o pegador até que o conjunto textura, firmeza e falsete de “A majestade o sabiá” agradem ao seletivo consumidor.

Tanta demora e zelo no momento da composição do prato acabam contribuindo para a criação de espaços vagos entre o cara e o consumidor logo à frente, muito tentadores para ultrapassagens. Mas basta que você esboce sair do vácuo para que o infeliz feche a porta, numa bela manobra que não só te tira do sério como também faz a torta de espinafre escorregar para fora do prato, entrando em contato com a bandeja de plástico, tornando-a imediatamente, imprópria para o consumo. Muito chato.

Arroz, feijão, picanha velha disfarçada no alho, fritas, mandioca, polenta, filé de peito de frango (sobre-coxa engorda), volta pra pegar mais fritas, tomate cereja, palmito, um sushi do tamanho do bocal do escapamento de uma Belina, shoyo por cima de tudo, panquequinha de presunto e queijo, macarrão com brócolis, fricassé de alguma coisa, quiche, volta pra pegar mais tomate cereja e colocar molho de mostarda. O que começa dando gosto de ser ver, termina embrulhando o estômago do atendente no momento da pesagem.

- Aceita ticket?
- Você vem aqui todo dia e ainda não sabe essa resposta?
- Quanto custa a palha italiana?
- O mesmo preço de ontem.
- Quanto pesa só o prato?
- 800 gramas.
- Fi-li-zo-la. Mas eu jurava que era com dois “l” e dois “z”.

Se dá pra ficar mais chato que isso? Claro, basta o cara estar de sarja, com o crachá para dentro do bolso e trabalhar no Censo. Sim, eles existem e adoram bater perna em restaurantes por quilo.