Thursday, April 20, 2006

QUEM VAI PRA BRUXELAS?

Feriados seguidos pareciam não ser suficientes. Decidi da noite para o dia que queria viajar, sair de férias, ficar uns dias longe de tudo. Não sabia para onde, nem por quantos dias, e logo aí já começavam os problemas.

Todos os pacotes apresentavam suas ofertas baseadas em dias e noites. Fico puto. Como vou me programar para um cruzeiro de 15 noites e 16 dias? Será que alguém pode me explicar? Por que meu dinheiro não pode comprar dias completos? Me sinto traído pelo sol.

Comentei com um amigo dos meus planos. Pronto. Por pouco não tive que organizar uma coletiva para responder a tantas dúvidas: “Pra onde você vai? Quanto tempo quer ficar? Vai sozinho? Vai levar sua viseira do Banco do Brasil? Já conhece Santa Isadora da Bacia Adormecida? Dizem que é lindo”.

Quem fica sempre dá um jeito de agourar a sua viagem. Como? Pedem para levar algo para algum parente de sexto grau que por uma coincidência dos infernos abriu um lava rápido justo na cidade que você demorou tanto pra escolher.

Será que você não pode me trazer um microsystenzinho do Free Shop? Não.

Procurei ajuda profissional. Fiquei cansado só de ler os prospectos que repousavam na recepção. Nenhum dos gabaritados profissionais estava atendendo e mesmo assim, tive que esperar uns 20 minutos. Todos ali, digitando freneticamente atrás de seus monitores.

Fui atendido. Roupinha bege clara, gravatinha esquisita, calça azul marinho. Rebeca era o nome da moça. Sente-se por favor. Aceita um café? Água gelada? Que tempo louco, não?

Mal comecei a falar e ela já começou a digitar compulsivamente em seu computador. Eu odeio ver os outros digitando sem que eu possa ler. O monitor era moderno, daqueles fininhos, acomodado estrategicamente sobre duas listas telefônicas para ficar na altura da sobrancelha. Logo em frente ao teclado, uma espuminha meio encardida.

Comecei a transpirar. O pigarro da garganta dela começou a me incomodar. Sri Lanka. Falei assim, meio sem jeito, mas com cara de que já tinha tomado a decisão. Ela franziu a testa. Digitou mais um bolo de palavras. Apertou o enter com força. Respirou. Coçou o nariz. Nova digitação. Dessa vez, a tecla pressionada com violência foi a de espaço. Não uma, mas 3 vezes.

O que isso significava? Ficou pensativa e me encarou. Não vendemos pacotes para o Sri Lanka.

Sugeriu uma tal de rota mística da lã, mas logo se corrigiu: Encantos de Bruxelas. 7 dias e 6 noites.

Bruxelas? Minha vez de apertar as teclas com força. Quem no mundo tira férias e vai para a Bélgica.

Para não responder de forma mal criada, forcei um choro. Sim, eu consigo produzir lágrimas mesmo sem motivo. Disse que Bruxelas era uma palavra especial para mim. Levantei-me, peguei um punhado de balinhas de hortelã e saí sem me despedir.

Joguei a balinhas naquela lateral da porta do carro e fiquei resmungando comigo mesmo: Bruxelas.

Agora estou aqui. Sem idéias ou esperança. Tenho apenas um tabuleiro do jogo WAR a minha frente. Na primeira tentativa de escolha aleatória, Dudinka. Na segunda, Omsk. Nas outras duas, deu Brasil mesmo.

Acho que vou ficar por aqui mesmo: 30 dias e 30 noites. Melhor ainda, quando o estoque de balinhas de hortelã acabar, decido o que fazer.

Thursday, April 13, 2006

ATRASADO DE NOVO.

Você já parou para pensar como sempre estamos atrasados?

Logo pela manhã, a batalha contra o relógio, contra a calça que não entra, a camisa que está amarrotada, a meia que falta um pé, a pia que resolve entupir, a pasta que acabou e mesmo apertando na porta não resolve, o maldito elevador que passa direto pelo seu andar. Que raiva. Você acordou mais tarde do que o previsto, porque estava atrasado com a sua monografia e teve que varar a madrugada para fazer algo que deveria ter sido feito em pouco mais de seis meses. Claro que dá tempo. Chegando no escritório, uma pilha de trabalho te aguarda na mesa, tudo para ontem. O que você faz? Entra numa correria sem fim para terminar, não almoça, não usa o banheiro, não fala tchau para a gatinha que te cumprimentou, não vê que está chovendo e que o trânsito está aquela beleza. É quando você se lembra do aniversário de um ano da sua afilhada. Quando você chega, todos te olham torto. Sempre atrasado. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. No dia seguinte o despertador não toca, você acorda transtornado, e, a caminho do escritório, lembra-se de que tinha dentista, e que já havia remarcado outras quatro vezes, só naquela semana. Desvia o caminho, pega um trânsito dos demônios e chega atrasado. Outra pessoa já está sendo atendida. É hora de se inteirar das fofocas nas revistas de famosos. Quando finalmente acha algo interessante, seu nome é chamado. O tratamento começa com meia hora de atraso, e consequentemente você chega ainda mais tarde para trabalhar. E não é que tinha uma reunião? Você entra, e todos te olham com a mesma cara que a sua família te olhou na noite anterior. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. A reunião dura mais do que o esperado e você sai correndo para tentar pegar algo fresco no bandejão de sempre. Os ovos de codorna já estão meio destruídos, fruto da imprudência e da gula armadas de colheres pontiagudas. O pastel de carne está frio e o lindo pedaço de parmegiana que você pegou, não era de carne, mas sim de berinjela. Desgraça. Isso que dá chegar atrasado. Mesmo comendo mais rápido que motorista de excursão, mais uma vez você está atrasado, dessa vez, para ir ao banco pagar todas as suas contas que também estavam atrasadas. Banco por natureza é um ponto de encontro de pessoas atrasadas. Olha a cara desse caixa. Deve estar bêbado. Olha a barba dele. Basta prestar atenção nas conversas da fila. Todo mundo atrasado, ofegante, tossindo, descansando a mão entre a popança e a calça. Volta pro trabalho. Alguém faz uma piada sem graça. Você ignora. Alguém consegue a proeza de chegar depois de você. É hora de sacanear. A pessoa retribui num gesto obsceno. Você se levanta e vai tirar satisfações. O papo logo descamba para maldizeres referentes a outros colegas. Até aqui, estou relatando o meu dia de hoje. Nesse exato momento, estou escrevendo este texto e ao mesmo tempo atrasando outros projetos. Alguém me chama de lado para uma conversa. Eu me esqueço onde tinha parado, mas, como não tenho tempo, volto a escrever como se soubesse a seqüência. Deixa pra lá. Agora é o celular que faz um barulho esquisito, desafiando minha paciência. Me desconcentrei de novo. Acho que não vai dar tempo. Vai sim, nem que eu chegue atrasado na aula de esperanto. Claro que eu não faço esperanto. O cara que senta do meu lado me chamou de novo. Não entendi o que ele disse, e, de quebra, fiquei ainda mais confuso. Começo a usar a tática infantil de tapar os ouvidos e cantarolar mentalmente um irritante lálálálá. Inútil. Ele começa a falar mais alto. Dou um pulinho no banheiro. Chego atrasado. Calma, está tudo sobe controle. O relógio já marca 4 da tarde e a volta do almoço ainda não me rendeu nada de produtivo. Tudo bem, ninguém precisa saber. Quer saber, vou dar uma enroladinha, e sair mais tarde, de novo. É legal chegar depois de todo mundo. Dá status, as pessoas pensam que você trabalha demais, que o seu cotidiano é muito mais puxado e que você tem o direito de sempre estar atrasado. Deve estar bêbado. Olha a barba dele.

Thursday, April 06, 2006

PÁSCOA.

Eu não sou um grande fã da Páscoa. Isso é pecado?

A desconfiança com a data vem de muito tempo atrás, quando, mesmo sem saber o porquê, e vivendo justamente a fase do “por quê?”, fui vetado de comer carnes e derivados numa sexta-feira nublada.

Minha dúvida começou na escolinha, quando já costumava decorar as datas do calendário para saber exatamente quando teria um feriado.

- Mãe, que dia é a Páscoa?
- Não sei, precisa contar no calendário 40 dias a partir do carnaval.
- E que dia é o carnaval?

Não me lembro da resposta, mas lembro que era complexa e envolvia um cálculo matemático relacionado não só ao carnaval, mas também à lua cheia, às colheitas de arroz no Japão, e ao acasalamento das baleias Jubarte no Ártico.

Para completar, o feriado se dá em abril, um mês estranho. Nem quente, nem frio. Nem sol, nem chuva. O pé na estrada se dá na quinta, pós-escritório, e a viagem só termina após a meia noite, graças a nossas adoráveis estradas entupidas. Se você reparou, já passamos da meia-noite e já estamos em plena sexta-feira santa. Em outras palavras: embargo à churrasqueira.

Está na lei. Nesse dia, não podemos comer carne e derivados. Lá em casa, a gente não comia nada que levava leite, ovo e adjacências. Dessa forma, resumia minhas 3 refeições diárias a café preto, arroz e zatar, uma especiaria árabe para comer com azeite e pão.

Teve um ano, que após resistir bravamente por 22 horas, sucumbi frente a um pacote de Baconzitos. Tentei em vão me enganar de que se tratava apenas de um salgadinho. Mas o verso da embalagem, trazia grifada em marca-texto, a frase “aroma artificial de bacon. Queime no inferno, herege”.

Passada a sexta, temos o sábado de aleluia. Se me perguntassem o porquê da palavra “aleluia” eu diria algo referente à liberação do consumo de carne, ou inventaria uma lenda besta envolvendo as palavras “torniquete”, “flanco” e “brasão”.

A parte legal da história é a que envolve porretes e um corpo de jornal e roupas velhas. Malhar o Judas é muito bom. Eu nem sabia quem diabos era Judas e já saia distribuindo bordoada. Teve um ano que a gente jogou ele do décimo nono andar do prédio, no meio do pátio. Três amigos ficaram no térreo gritando para que ele não pulasse. A queda durou exatos sete segundos, tempo suficiente para juntar duas velhas horrorizadas do lado de fora do portão.

Chega o domingo. Todos se metem a seguir pegadas para encontrar ovinhos. Pra falar a verdade, nunca acreditei muito na existência do tal Coelho da Páscoa. É meio assustador imaginar que um ser de olhos vermelhos e dieta baseada em cenoura, tenha uma chave mestra com uma que abre a porta da minha casa.

A criatura entra na sua casa enquanto você dorme, fuça nas suas coisas, se enxuga com a sua toalha de rosto e veste o seu maiô, só de sacanagem.

Depois, numa atitude de delinqüente profissional, esconde prendas achocolatadas e espalha pistas pela cena do crime. Se você não encontrar o refém num tempo xis, já era. Mesmo organizando um mutirão, o máximo que você vai encontrar será uma poça de cacau com gosto de carpete bege. Eca.

O domingo vai chegando ao fim, e a programação televisiva que nunca é respeitável nesses dias, consegue se superar, reprisando filmes com péssimos atores representando Jesus. Quem disse que Ele gosta da idéia de ter sua história traduzida em filme? Sei, não.

Se eu quero ganhar um ovo? Acho que sim, desde que dentro dele venha uma tabelinha prática que me ensine de uma vez por todas a calcular quando cai a Páscoa. Feliz.