Wednesday, April 22, 2009

RADINHO DE PILHA TAMBÉM MATA.

Infelizmente, não sou um dos milhares de assinantes dos pacotes pay-per-view de futebol. Se é pra pagar a mais, prefiro ir ao estádio.

Tal escolha acaba muitas vezes me punindo com um radinho de pilha colado no ouvido.

O risco de surdez só não é maior do que o de enfarte fulminante, fruto das exageradamente emoções transmitidas pelos locutores.

- Afaaaaasta a zaga!
- A bola paaaaaassa beijando o poste!
- Vai entrando, vai entrando, vai entrando. (e lá se vai uma artéria)

Não importa onde a bola esteja, no rádio, ela estará sempre absurdamente perto do gol do seu time. Uma dividida no círculo central será sempre narrada como um semipênalti.

Não assisti nem li “Ensaio sobre a cegueira”, mas afirmo com toda certeza que uma transmissão esportiva no rádio é o que deve mais se aproximar do enredo.

Documentos confidenciais da época da ditadura relatam presos políticos amordaçados ouvido os jogos do abeto do interior pelo rádio.

Mesmo com tantas contraindicações, o aparelho e seu respectivo meio continuam largamente difundidos no país, tanto que até nos estádios, sempre é possível encontrar um simpático torcedor paramentado com o equipamento para ter uma segundo opinião sobre o que seus próprios olhos são incapazes de acreditar.

- E aí, quanto falta?
- Três.
- Quem vai entrar?
- O Canjica.
- Puuuta merda.
- Quanto tá o dos cara?
- Peraí.

A informação em primeira mão transforma pessoas comuns, com pendências no SERASA, em celebridades. São eles quem começam o telefone-sem-fio no estádio com as informações que todos querem. Quando erram, já pode ser tarde demais.

- Gol contra os cara.

Um passa pro outro que passa pro um que passa pra dez. Uma fileira comemora a notícia. A onda se alastra, como uma ola de felicidade antirival.

- Não valeu. (diz o radialista)
- Não valeu. (diz o dono do radinho)
- Não valeu. (a mensagem se propaga)
- Mata. (grita o último torcedor a receber a triste notícia)

É bom ver um meio antiquado circulando tão vivo entre nós, em plena era da TV digital, MP3, molho barbecue. Uma brava resistência pré-histórica como a da barata entre os animais.

Seguranças, porteiros, estudantes, coroinhas. O torcedor de radinho é um herói solitário que tenta através de ondas médias e curtas conectar-se aos iguais da sua tribo.

A narração do gol pelo rádio é diferente de tudo o que se pode descrever. A extensão do grito deve reproduzir com fidelidade o que os olhos não puderam ver. O número de vogais “o” deve ser proporcional a quantidade de pessoas que não se conhecem compartilhando o suor na arquibancada.

- Não valeu. (e lá se vai mais uma artéria. Dessa vez, uma das grandes)

Ainda desacordado, sendo empurrado por um longo e iluminado corredor, ouve uma voz familiar ao fundo. Os olhos abrem-se lentamente, a pergunta sai em direção ao enfermeiro, também concentrado ao som que vem de uma portinha entreaberta.

- Quanto foi?
- 1 x 0 verde.
- Vamo que vamo!

Suspende o desfibrilador. Pelo menos por enquanto.