Thursday, April 12, 2007

NADA A DECLARAR.

Mais uma vez fui pego de surpresa selecionando papéis variados que achei que nem existissem, para fazer a declaração do sofrível imposto de renda.

Até aí normal, porque sei que não fui o único a pegar a cartinha parda dizendo “Revés – pague o seu maldito imposto ou vá para a cadeia sem direito a fiança”.

Poucas coisas em vida são tão chatas de se fazer. Quantas siglas e palavras incompreensíveis, quanto aborrecimento, quantas informações conflitantes. Queria que meu choro infantil pudesse sensibilizar os fiscais.

- Olha, que bonitinho. Tá chorando.
- Esse ano não precisa declarar. Ele não é uma graça?

RG, Cofins, Darf Simples (o que vem no completo? cheddar, milho e pão Ciabata?), pró-labore, holerite, prêmio líquido, prêmio bruto, alíquota, penhor, indenização, uso-fruto, doação, herança, INSS, CPMF. PQP (dessa eu gosto).

Da lista das palavras mais chatas do mundo, 90% são encontradas nos textos que dão dicas de como fazer a declaração sem dores de cabeça. Sinto-me um pateta.

A impressão que fica é a de que algo está errado. Na verdade, a impressão é a de que tudo está errado e que mais cedo ou mais tarde, um jipe do exército aparecerá na sua casa fazendo o acerto final de contas.

- Mas e se cair na malha fina?

Ah meu filho, aí você vai ver com quantas camisas de seda se faz uma repartição pública. Dois tios meus caíram nessa tal malha fina em 94. Um virou alcoólatra e viciado em apostas em cavalos (já era antes da malha fina). O outro virou autônomo e agora vende algodão doce na praia, travestido de panda e, enquanto autônomo, está sempre enquadrado como isento.

Isento sim é legal. Tipo café com leite.

Receita libera segundo lote de restituição. Receita libera sétimo lote. Vigésimo lote liberado. E nada de uns míseros reais pingarem na sua conta. Teria o leão gastado tudo em Neutrox 2?

O negócio funciona da seguinte forma: você procura a papelada por toda a sua casa. Pede para o banco fazer um levantamento da sua vida recente. Pede para ver as fitas do circuito interno de segurança do seu prédio. Finaliza sua declaração, faz cinco polichinelos, olha para os dois lados (como te ensinaram antes de atravessar a rua), prende a respiração e envia tudo pelo correio ou internet, para aprovação.

A aprovação: chegando à receita vem a parte tensa. Cada declaração é examinada minuciosamente por 3 fiscais ao mesmo tempo, como nas disputas olímpicas de judô.

Se os 3 levantarem a bandeira ao mesmo tempo, a declaração é impugnada (outra palavra chata) e seus bens recebem um ippon. Se dois levantarem, a declaração é considerada suspeita, entrando numa outra pilha de declarações que será analisada por outros 3 fiscais. Sua mobilete é confiscada e você recebe um wazari do ministro da fazenda, que é um perigo. Se apenas um levantar a bandeira, sua poupança recebe um koka, uma espécie de “óh se eu quisesse” fiscal, e os outros fiscais olham torto para o que levantou sozinho. Em caso de nenhuma bandeira ser erguida, o contribuinte anda duas casas e pede uma xícara de açúcar, um quilo de feijão, dois sacos de arroz e o que mais puder para um vizinho abonado.

Se tudo estiver certinho e o leão tiver certeza absoluta de que não pode exigir mais nada de você, aí pode soltar a respiração, igual a Hortência fazia antes dos lances livres. Declaração, só ano que vem.

Se tudo estiver errado, você pode parcelar a desgraça em quotas iguais, corrigidas mensalmente pelos 10% restantes das palavras e siglas chatas: TR, BC, TJD, IBGE, INCRA, AMANCO, PC do B, etc. PQP.